RESTRIÇÕES AO CAPITAL

. De bronca com o capital

Dois empresários que estiveram com Lula desde a primeira campanha vitoriosa, a de 2002, estão agora se estranhando com o presidente. Um é Roger Agnelli, presidente da Vale. Outro é Paulo Skaff, presidente da Fiesp.
Os motivos são diferentes. Com Skaff, a briga se dá em torno das CPMF. No caso de Agnelli, o problema é mais complicado.
O presidente e seus colaboradores têm dito que a Vale ?escalpela? o Pará e não dá nada em troca que investe mais no exterior do que no Brasil e que deveria exportar mais produtos acabados e menos matéria prima.
As críticas tanto incomodaram que Agnelli apressou-se a marcar reunião com o presidente Lula para relatar a atuação da companhia. Isso foi há três semanas e não adiantou muito. Lula voltou às criticas na última quinta-feira, em evento no Pará, ao lado da governadora Ana Júlia, que também se queixa e quer mais apoio da Vale ao estado.
No dia seguinte, Agnelli defendeu-se publicamente. Disse, por exemplo, que a Vale é a empresa privada que mais investe na infra-estrutura nacional, referindo-se a portos, ferrovias e rodovias que a companhia opera ou das quais participa. Também apresentou suas próprias reclamações. As empresas que pretendem investir no Brasil ? comentou – precisam ter garantias de que não sofrerão invasões ou agressão às suas instalações e trabalhadores. A Vale tem sofrido com isso ? invasões de índios, do MST e de outros movimentos – com a, digamos, compreensão de autoridades.
Lula confunde a Vale com uma estatal. Trata como se fosse a Petrobrás, empresa que, segundo o presidente, não pode pensar só no lucro, mas em, digamos, ajudar o Brasil. Na visão de Lula, isso significa comprar plataformas de petróleo no Brasil, mesmo que estas sejam mais caras e entregues com mais demora.
Seria o custo para desenvolver estaleiros nacionais. Mas, com isso, a Petrobrás atrasa sua produção de óleo e tem rentabilidade menor, o que prejudica seus acionistas, o governo e os investidores privados, nacionais e estrangeiros. Será que isso também não prejudica o país?
De todo modo, nota Agnelli, a empresa privada tem de buscar o retorno financeiro e a remuneração de seus acionistas. É do jogo capitalista. Se não for assim, a empresa não prospera e, pois, não gera produto nem empregos, nem aqui nem lá fora.
A bronca de Lula parte de outro ponto de vista, aquele expresso no pensamento econômico do PT, expresso em documentos pré-governo. Entre outras coisas, sustenta que a propriedade e, pois, a empresa só são legítimos se cumprirem função social. Parece bonito, mas o que é função social? Dar emprego para os companheiros? Dar dinheiro para os governos amigos? Pagar mesadas aos movimentos sociais? Gastar recursos em atividades que não têm nada a ver com a empresa para apoiar determinados grupos e interesses ditos coletivos?
Tudo isso desvia o foco da empresa, drena recursos, reduz a produtividade e, portanto, de novo, a capacidade de gerar riqueza e empregos. Na verdade, a regra do jogo é simples: cabe ao governo regular o ambiente de negócios, mas de modo a garantir a propriedade privada, preservar a competição e garantir que o investidor receberá os resultados do seu empreendimento. Sem isso, não há desenvolvimento.
Com isso, há desenvolvimento e as outras consequências aparecem. O estado arrecada mais impostos, tanto diretamente das empresas, quanto do dinheiro movimentado por seus empregados e os empregados de seus clientes.
Leis ambientais são necessárias, mas, no essencial, é o mercado que impõe comportamentos às empresas. É por razões de mercado e por pressão dos consumidores mundiais que as empresas estão se tornando verdes e exercendo a responsabilidade social.
Nos documentos antigos do PT, alguns escritos por Guido Mantega, como ?Um outro Brasil é possível?, aparecia uma visão claramente intervencionista. Ali se dizia que o governo dirigiria as empresas estrangeiras para a exportação e reservaria para as nacionais o mercado de massas interno.
É bobagem o governo, qualquer governo, entender que pode dirigir assim uma economia de mercado.
E de todo modo, essa visão simplesmente foi deixada de lado na era de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda.
Mas foi voltando aos poucos com Guido Mantega e na medida que este vai colocando seu pessoal no comando da administração econômica. Por toda parte, se vê a vontade do governo de intervir. Vai desde querer dirigir a Vale, até o tabelamento e congelamento das tarifas bancárias, anunciado na semana passada.
Nos diferentes setores, encontram-se empresários e executivos queixando-se das regras e normas excessivas que atrapalham, burocratizam e encarecem seus negócios. Não que as empresas não cometam equívocos e abusos. Mas, em geral, as que mais fazem isso estão na informalidade ou nas franjas da formalidade, justamente aquelas que não cumprem as normas. Como não consegue apanhar estas, controles e mais regras para todas.
Tudo isso ? as invasões de que se queixam Agnelli e tantos outros executivos e os abusos contra a propriedade privada ? cria um ambiente ruim. Não parece, mas está aí.
A sorte é que isso convive com seu oposto. Para esta segunda, por exemplo, está marcado o leilão da usina de Santo Antônio, no rio Madeira, que entregará ao consórcio vencedor a hidrelétrica e a energia a ser gerada. Ou seja, uma privatização completa, mais ou menos como na licitação das estradas. Embora com restrições, saiu o leilão dos blocos de petróleo.
São coisas que decorrem da necessidade ? o governo não tem dinheiro para esses investimentos ? da herança bendita da era Palocci e do tamanho da economia, impossível de ser controlada.
Mas que estão tentando atrapalhar, estão.
Publicado em O Estado de S. Pailo, 10 de dezembro de 2007

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