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A mágica furada

Carlos Alberto Sardenberg

A regra do teto de gastos, aprovada por Emenda Constitucional em 2016, tem três virtudes básicas. Primeira, a simplicidade: diz que o gasto do governo federal de um ano deve ser igual ao do ano passado mais a inflação. Transforma uma coisa complicada – o arranjo ou arcabouço ou protocolo fiscal – em algo fácil de entender. A ideia, simples, é manter o gasto público constante. Ou seja, o governo não pode aumentar as despesas, mas não precisa diminuí-las.


Dirão: mas fica engessado, de modo que o novo governo não pode aplicar seus próprios programas. Falso: o teto está dado, mas é possível manejar despesas para esta ou aquela área.
Outra objeção: se a receita do governo tiver um elevado crescimento, acima da inflação, o governo fica com um dinheiro que não pode gastar no dia a dia. Verdade. Mas não é um dinheiro perdido. Vai para o pagamento de dívida. Dívida menor significa menor risco fiscal – o risco de calote – e, pois, leva a uma redução dos juros, o que estimula o crescimento econômico.


A segunda virtude básica do teto de gastos está aí mesmo: mantendo a despesa pública constante em termos reais e, assim, abrindo espaço para o crescimento via investimento privado, isso reduz o tamanho do Estado em proporção ao Produto Interno Bruto.
Qual a situação hoje? Com o gasto em expansão, o Estado precisa de cada vez mais impostos, tomando dinheiro das empresas e das famílias, reduzindo suas capacidades de investimento e consumo.
Ora, todo mundo sabe que a carga tributária já é elevada no Brasil. E uma insegurança infernal, em consequência das seguidas gambiarras para o governo tomar mais um dinheirinho aqui e ali. Como essa ridícula cobrança de imposto sobre a exportação de petróleo, que só encarece o produto nacional no mercado global.


A terceira virtude da regra do teto estava no prazo. Vinte anos para colocar a casa em ordem, podendo ser revista em 2027.
Dirão: é muito tempo. Parece, mas considere que o gasto público vem crescendo sistematicamente há mais de quatro décadas. Aí fica razoável, não é mesmo?


Dizem hoje: mas o teto de gastos não funciona, tanto que já foi furado muitas vezes.
É como furar o cano e depois dizer que não presta porque tem muitos vazamentos. Ridículo.
Mas foi o que fizeram no governo Bolsonaro – colocando várias despesas no chamado extratexto. O governo Lula, em vez de agir como encanador, acha que faltam mais furos.


Logo, está maquinando um “novo arcabouço fiscal” baseado na seguinte história: primeiro, o governo toma mais dinheiro do contribuinte, ou seja, aumenta os impostos; depois toma mais dinheiro emprestado, faz mais dívida; e aumenta o gasto.
Como isso, segue a teoria Haddad, vai gerar um forte crescimento do PIB, as relações gasto/PIB e dívida/PIB cairão lá na frente, bem na frente. E assim, lá está o ministro no palco anunciando ao distinto público: nada nesta mão, nada nesta outra e eis aqui o ajuste fiscal.
Olha para público e diz: acreditem!


Olha para o Congresso e recomenda: aprovem! (Ou perdem as verbas)
Dá uma piscadela para o presidente do Banco Central e cobra: reduza os juros.
E vamos ficar ricos.


A coisa só para de pé se for verdade que, primeiro, o governo gasta melhor que o setor privado, e segundo, quanto mais gasto público, mais crescimento econômico.


Mas se isso for verdade, não precisa fazer mais nada: a gente não percebeu, mas o Brasil já é um país muito rico e muito justo. Pois há décadas se faz exatamente o que o governo Lula anuncia como grande truque: mais imposto, mais dívida e mais gasto.
A sério: a regra do teto de gastos, se respeitada, exigiria que o governo, qualquer governo, fosse mais eficiente e mais produtivo na gestão dos gastos.
Mas como isso dá trabalho e exige mais conhecimento econômico e sabedoria política, o tal novo arcabouço fiscal vai propor a repetição em grande escala dos mesmos erros passados.


E vai reclamar do mercado, da imprensa (quer dizer, de parte dela, nós inclusive) e do BC por não acreditarem na mágica. 
Êta nóis!

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