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Gasto público é inevitável. Desperdiçar, não

Gasto público é inevitável. Desperdiçar, não

 

Carlos Alberto Sardenberg

 

 

Lá pelas tantas, já na saída da crise de 2009, a revista Economist referiu-se à gigante GM, a maior montadora de veículos dos EUA, como “Government Motors”. Para salvar a companhia, o governo de Barack Obama havia comprado ações da empresa em tal quantidade que se poderia chamar de estatização. Não era esse o objetivo.

A tremenda recessão que se seguiu ao desastre financeiro deixou a GM e muitas outras empresas à beira da falência: sem consumidores e sem crédito. As opções, portanto, eram três: deixar quebrar (paciência, são coisas do mercado); emprestar dinheiro público (já que os bancos  privados não queriam se arriscar); ou comprar ações, o governo tornando-se sócio das companhias.

No final das contas, houve uma combinação disso tudo. Muitas empresas eram mesmo inviáveis, a crise apenas apressando o fim. Mas outras – em número incalculável, de gigantes a pequenas – foram resgatadas pelo governo via empréstimos ou aquisição de ações.

No geral, deu certo. Tanto que o período de Obama foi marcado por uma forte aceleração do crescimento. Ele assumiu em janeiro de 2009, na crise, com a taxa de desemprego subindo para 10%. Em janeiro de 2017, entregou o governo com os EUA de novo liderando o crescimento global, com taxa de desemprego a 4,5% – nível considerado de pleno emprego.

A GM era de novo General Motors. O governo havia vendido as ações e até feito uns bons trocados no processo. Ontem, a empresa divulgou os resultados do primeiro trimestre: um lucro de US$ 247 milhões, queda de 88% em relação ao mesmo período de 2019, número muito bem recebido já que as fábricas ficaram fechadas parte do período.

Aliás, já estão se preparando para reabrir – mas não é isso que interessa para o caso. O que interessa é o seguinte: depois da crise de 2009, empresas, famílias e governos saíram endividados. Muitas empresas, especialmente na Europa, saíram estatizadas. As receitas foram quase sempre as mesmas: governos tomando dívida ou imprimindo moeda para financiar empresas, pessoas e os próprios gastos públicos.

O que se seguiu foi diferente. Em alguns países, restabeleceu-se o ajuste fiscal e a retirada dos governos para suas funções essenciais. Em outros, lideranças políticas e econômicas aproveitaram as circunstâncias para sustentar que o capitalismo chegara ao fim, para dar início a algum novo tipo de socialismo ou socialdemocracia ou estado do bem estar.

Sim, estou simplificando. No período, apareceram outros fenômenos, como os populismos de direita ou de esquerda, uma reação política equivocada a determinadas situações econômicas: aumento de desigualdade de renda, o crescimento do número dos muitos ricos e uma legião de trabalhadores que foram deixados para trás pela introdução de novas tecnologias.

E foi assim chegamos ao coronavírus. De novo, os governos estão se endividando para pagar o combate à pandemia, o que inclui desde gastos com o sistema de saúde até socorro a pessoas que perdem seu trabalho e empresas que perdem seus consumidores e seus créditos.

O que faz a diferença? Uma está, certamente, nas finanças públicas. Os governos que aproveitaram os anos de crescimento para ajustar as contas encontram-se agora em posição mais confortável para gastar. Outra diferença está na eficiência do gasto público. Houve governos que salvaram as suas GMs, outros salvaram as companhias que financiavam seus partidos e seus líderes – como aconteceu largamente na América Latina.

Assim, em muitos lugares, Brasil incluído, faltaram dinheiro (roubado) e competência para o estabelecimento de regimes saudáveis, inclusive na infraestrutura social (saúde, educação, segurança). Sobraram empresas podres e serviços inadequados. Não é de hoje que há falhas na saúde pública.

Mas peguemos exemplos de fora. A Alemanha tinha até ontem 167.575 casos de covid-19, com 7.190 mortos. Na França, 170.694 casos, para 25.538 óbitos. A diferença, claro, está na eficiência na construção e operação do sistema de saúde.

Eis onde queremos chegar: o governo brasileiro está multiplicando sua dívida. Inevitável. Assim como será inevitável o contribuinte pagar isso depois. Mas tem muito gasto que não presta. Nosso próximo tema.