JUROS EM QUEDA, DE NOVO

. APOSTA NA ESTABILIDADE PRÓXIMOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA TERÃO DE DEFINIR SE VÃO MANTER OU NÃO AS METAS DE INFLAÇÃO Ao reduzir a taxa básica de juros de 17% para 16,5%, em um momento de incertezas políticas, o Banco Central agiu como se estivesse em um país de economia estável. Por economia estável deve-se entender uma combinação de fatos – contas públicas equilibradas, inflação sob controle e contas externas financiáveis – com uma cultura política que preza a estabilidade. Como não há consenso de que todas essas condições estão dadas, a questão é a seguinte: ou o BC deu um passo ousado, mas apostando na construção dessa estabilidade, ou foi simplesmente imprudente. Em um país estável, a função do Banco Central é controlar a inflação e zelar pela saúde do sistema financeiro. Recebe um mandato para atingir esses objetivos, que deve buscar qualquer que seja o ambiente político. Não se trata de falta de bom senso. Por trás dessa regra de conduta está a suposição de que, mesmo acontecendo uma ruptura, como o impeachment de um presidente ou a demissão traumática de um primeiro-ministro, o novo governo manterá as bases (os fundamentos) da estabilidade econômica. No caso brasileiro, a função específica do BC é alcançar as metas de inflação (6% para este ano, 4% para 2001 e 3,5% para 2002). O principal instrumento para isso é a taxa de juros. A regra de ação é simples: se a inflação caminha para abaixo da meta, reduzem-se os juros; se ameaça estourar a meta, sobem os juros. Há um mundo de variáveis no meio disso – cenário externo, taxa de câmbio, por exemplo -, mas tudo acaba convergindo para aquela regra. O que disse o BC na semana passada? Olhou as expectativas de inflação para os próximos dois anos e verificou que estavam abaixo da meta. Logo, reduziu os juros. Qual o problema? É que, entre as variáveis a considerar, muita gente acha que se deve acrescentar a política. Em um país onde ainda não há consenso sobre os fundamentos da estabilidade, incertezas políticas transformam-se em incertezas financeiras e econômicas. Exemplificando: pode ocorrer o diabo com Bill Clinton, e quase ocorreu, mas ninguém imagina que seu sucessor vá forçar a demissão do presidente do Federal Reserve, o banco central, Alan Greenspan, e enveredar por uma política de gastos públicos e tolerância com a inflação alta. Já aqui, vale a percepção de que as bases da estabilidade dependem do presidente FHC e sua equipe econômica. Caindo o chefe ou tendo ele sua capacidade de ação reduzida pela crise política, tudo o mais pode cair. De modo que os mercados se antecipam e, nessas crises, elevam juros e dólar, derrubam o real e as bolsas. Ao reduzir os juros num momento de incerteza política, o BC brasileiro está dizendo que confia na institucionalização da estabilidade e age nessa direção. Esta não é coisa dada ou que se ganha de repente. É resultado de uma longa construção. Um ingrediente essencial é a opinião popular, o sentimento de que inflação é ruim e moeda estável é bom. Outro é a formação de políticos e administradores públicos que partilhem e respeitem esse sentimento. Mas não bastam esses costumes. É preciso colocar a estabilidade nas leis. É o que acontece em todos os países. As leis estabelecem a independência do banco central, regras para a feitura e a execução dos orçamentos públicos e parâmetros de endividamento público. Isso não elimina as diferenças políticas. Podem-se mudar as prioridades de gastos públicos – menos em reforma agrária, mais em construção de estradas, por exemplo -, mas mantendo o princípio de receitas equilibradas com as despesas. Nos Estados Unidos, os dois principais candidatos à presidência divergem sobre como usar parte do superávit do governo federal (reduzindo impostos ou destinando mais recursos à Previdência), mas ambos vão preservar a política fiscal, de resto definida em lei orçamentária. É óbvio que o Brasil não chegou lá. Mas não se pode desprezar o avanço – cujo ponto culminante foi a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois estabelece rigorosas normas de gestão para os três níveis de governo. Também não se pode esquecer que todos os governos estaduais e as principais prefeituras têm contratos de refinanciamento de dívidas com o governo federal – contratos de 30 anos, que praticamente obrigam as unidades da federação a ajustar contas à medida que destinam compulsoriamente parte da receita mensal para pagamento de dívidas. Finalmente, não se pode esquecer o próprio regime de metas de inflação, aí incluída a independência do Banco Central. Isso vai criar uma situação política crítica para as eleições presidenciais de 2002. Pelo regime em vigor, o Conselho Monetário Nacional deve fixar as metas de inflação para um período de três anos. Em junho último, fixou a meta de 3,5% para 2002. Em junho do próximo ano, vai cravar a meta de 2003 (provavelmente 3%) e em junho de 2002, na abertura da campanha presidencial, a meta para 2004 (no mínimo 3%). Ou seja, o presidente eleito em 2002 vai encontrar já definido um padrão básico da política econômica e um padrão apertado: que a inflação não pode passar de 3% ao ano – e vai encontrar a postos uma diretoria do BC em pleno mandato. É uma mudança e tanto. Tão importante quanto a transição na Argentina – pela primeira vez na história contemporânea não houve ruptura nos fundamentos econômicos – e no México, que caminha para o mesmo resultado. Na verdade, a parada no Brasil se resolverá antes das eleições. Durante a campanha, os candidatos de frente não terão como escapar da definição: vão manter ou não as metas de inflação? O BC brasileiro está apostando que a estabilidade já alcançada e o que dá para avançar nos próximos dois anos tornarão inevitável a resposta sim. O final dessa história, claro, só o futuro dirá. Mas é outro o ponto a destacar: que a estabilidade não é coisa dada, mas que se constrói ao longo dos tempos, com leis e atitudes como essa de apostar na estabilidade. E se o futuro presidente mandar para o espaço toda a atual política econômica? Dá na mesma para o atual governo: sua obrigação continua sendo a de avançar na institucionalização para entregar um país com o máximo possível de estabilidade. A alternativa seria “relaxe e aproveite”. Já que o próximo vai detonar, por que não a começar a gastar desde já, promover um surto e fazer antes a inflação? Mas não há essa hipótese para o presidente FHC e sua equipe econômica. (Publicado em O Estado de S.Paulo de 24/07/2000)

Deixe um comentário