O PT ADERIU AO FMI

. Propaganda enganosa     
O presidente do PT, José Genoino, apresentou como a maior vitória política do governo Lula a decisão de não renovar o acordo com o Fundo Monetário Internacional.  No programa eleitoral do partido, semana passada, Genoino lembrou: ?Quantas vezes não fomos à rua contra o FMI? Realizamos o sonho de uma geração?.     
Ou seja, é como se tivesse sido cumprido aquele clássico grito de guerra: ?Abaixo o FMI!?. Será?     
Não, não foi bem assim, admite o próprio Genoino. O PT aprendeu, disse ele, que não seria bom para o Brasil uma ruptura unilateral. Por isso, fez diferente: com o governo do PT, o Brasil saiu do FMI pela ?porta da frente?, de forma ?pacífica e civilizada?.     
De novo, será? A rigor, o Brasil não saiu do FMI. Continua sócio da instituição, tem parte de seu capital e até mantém um representante na diretoria. Além disso, continua negociando com o Fundo em torno de critérios de avaliação das contas públicas.     
Na verdade, o governo Lula apenas não renovou o acordo que havia assinado em 2003, pelo qual o Brasil havia recebido um empréstimo de US$ 27 bilhões. Em troca desse financiamento, o governo se comprometera com um determinado programa econômico, cujo ponto central foi o controle das contas públicas.     
A principal meta a ser seguida pelo governo era a obtenção de um superávit primário, que é saldo na relação receitas totais menos despesas de custeio e investimento. Esse superávit ? economia feita na administração ? se destina a pagar parte da conta de juros e, com isso, conseguir uma redução na relação dívida pública/Produto Interno Bruto.     
O governo Lula cumpriu exemplarmente essas metas, com folga. O endividamento caiu e, de quebra, as contas externas tiveram uma melhora espetacular. Por isso, faz sentido dizer que está saindo pela porta da frente.     
A seqüência foi assim: o Brasil teve uma crise nas contas externas e internas,  pegou dinheiro emprestado no FMI, cumpriu as regras do acordo, saiu do buraco, pagou em dia as prestações, não precisa mais do empréstimo, encerrou o contrato. Um aperto de mãos e muito obrigado.     
O pessoal do FMI também adorou essa história. Na verdade, desde as turbulências do final dos anos 90, o Fundo assistiu diversos países, com resultados duvidosos e pelo menos um enorme fracasso, o caso da Argentina. O caso Brasil é o outro lado da moeda, um estrondoso sucesso. O acordo foi assinado no governo FHC e, fato politicamente relevante, mantido e prorrogado por um governo de esquerda, ainda mais zeloso no seu cumprimento. Foi um enorme de ganho de credibilidade. E quando o acordo se extinguiu, em março último, o Brasil estava em condições econômicas muito superiores. Como comenta o pessoal em Washington, na sede da instituição: quem disse que o FMI não funciona?     
O PT e a geração de Genoino diziam. Hoje, mudou. Mss o presidente do partido não chegou a dizer que o acordo foi muito bom. Procurou passar a idéia de que o acordo foi um mal necessário, parte da herança maldita, da qual o atual governo se livrou de modo pacífico e civilizado.        
O resultado final disso tudo é o mais importante, frisou Genoino. O Brasil agora, pela primeira vez em muitos anos, está livre da tutela do FMI e pode investir seus recursos ?onde, como e quando? quiser.     
E o que está fazendo o governo assim liberado?     
Exatamente a mesma política econômica que estava desenhada no programa com o FMI. O superávit primário nas contas públicas, antes meta do acordo, agora é meta inscrita na Lei de Diretrizes Orçamentárias, portanto, ainda mais obrigatória. As idéias em torno do programa do Fundo foram interiorizadas, inscritas na legislação nacional.     
Por isso, o discurso de Genoino não guarda a menor coerência, é simples peça de propaganda marota. Ele procura passar a mensagem de que o PT cumpriu um compromisso político histórico ao dispensar o acordo com o FMI.     
Não foi assim. O compromisso histórico de romper com o FMI significava romper com o ideário do Fundo e as políticas econômicas daí derivadas. Ora, o governo Lula pode dispensar um novo acordo com o Fundo porque tirou nota dez na execução do programa anterior e, mais ainda, está anunciando que vai manter a mesma política porque a considera positiva para o crescimento do país.     
O nome disso é adesão, não ruptura. Genoino procura passar a mensagem de que houve apenas uma mudança na forma. O PT continuaria tão contra o FMI quanto no passado. Apenas que, em vez de chutar o pau da barraca e sair pelos fundos, resolveu sair pacificamente pela porta da frente. Mas se fosse isso, o governo estaria abandonando o superávit primário, suspendendo o pagamento de juros e aumentando o gasto público, realizando assim o slogan histórico de que não se pode pagar juros aos ricos especuladores enquanto os pobres passam fome. Aliás, é o que pede a esquerda do PT. E é o que o governo Lula garante que não vai fazer, pois entende agora que a redução do endividamento público é a peça central da responsabilidade fiscal, sendo esta condição necessária para o crescimento sustentado. Ou seja, o superávit primário tornou-se virtuoso, uma coisa boa para o país. Assim, o programa eleitoral do PT, da semana passada,  poderia ser entendido de duas maneiras. Uma, que Genoino estava anunciando uma próxima guinada na política econômica, de modo a resgatar sonhos históricos de sua geração. Outra, que se tratou apenas de propaganda, uma maneira de tentar convencer a parte inquieta da militância que o velho PT está aí. Algo assim: a gente não era contra o FMI? Então, saímos. A segunda leitura é, obviamente, a correta. O acordo acabou faz tempo, o ministro Antonio Palocci garantiu que nada mudaria, reforçou os controles internos e ganhou um apoio explícito do presidente Lula. Ou seja, não tem ruptura nenhuma. Por isso mesmo, cabe a pergunta: será que essa propaganda de Genoino cola? É tão evidente sua falta de coerência, o caminho torto pelo qual tenta provar uma tese falsa. Será que o pessoal é tão ingênuo ou ignorante a ponto de acreditar nisso? É o problema do PT: não consegue ou não pode explicitar suas mudanças. Essa é talvez a causa principal das dificuldades do governo: transtorno bipolar.  Publicado em O Estado de S.Paulo, 16 de maio de 2005

Deixe um comentário