DÉFICIT ZERO – 2-

. Déficit zero, grande idéia (2)     
Economistas do primeiro time manifestaram sérias dúvidas sobre a proposta de déficit zero levantada inicialmente pelo deputado Delfim Netto e ora objeto de um bom debate. A principal inquietação está na disposição de lideranças empresariais de utilizar a idéia como um atalho para forçar o Banco Central a uma imediata derrubada dos juros, não levando em conta as regras do regime de metas de inflação.     
Como se faria isso?     
Há duas maneiras de derrubar um déficit, aumentando as receitas ou cortando despesas. O pagamento de juros é uma das maiores despesas da União, de modo que uma corte ali seria excelente contribuição para zerar o déficit. A maior parte da dívida pública brasileira é indexada à taxa básica de juros, essa fixada pelo BC. Logo, se o BC reduz a taxa, isso imediatamente significa um corte na despesa com o pagamento de juros aos credores do governo.     
Ocorre, porém, que um dos pilares do atual modelo macroeconômico brasileiro é o regime de metas de inflação. Por esse sistema, simplificando, o BC eleva os juros quando há risco de a inflação estourar a meta e reduz em caso contrário. Ou seja, a política monetária, pela fixação da taxa de juros, é uma função da inflação, não da dívida ou do déficit público.     
Se houver uma mudança de modelo, fixando-se como prioritária a meta do déficit zero, então o BC não poderá elevar a taxa básica de juros quando houver um surto inflacionário, porque isso estouraria a meta das contas públicas. Ou então, na situação atual, considerando a dificuldade de se cortar a despesa do governo com pessoal, previdência e funcionamento da máquina, restaria a alternativa de se abater juros para reduzir o gasto financeiro.     
Resumo da ópera, se jogaria no lixo o regime de metas de inflação ? e isso seria uma perda. Tal regime é utilizado em grande número de países, funciona bem, e derrubar a inflação para níveis civilizados é um importante objetivo nacional. Descontrolada, a inflação é um imposto que tira dinheiro dos mais pobres e gera enormes ineficiências no funcionamento da economia.     
É importante no Brasil a discussão sobre o tamanho da taxa de juros. Mesmo economistas que defendem o regime de metas entendem que o BC errou a mão recentemente e colocou os juros em nível mais alto do que o necessário. Mas isso é um debate, dos bons. Outra coisa, bem diferente, e ruim, e tentar derrubar o sistema de metas. Em nome de zerar o déficit se estará facilitando a volta da inflação.     
Mas não é por aí que a idéia do déficit zero está caminhando. Começa que o governo, pelos ministros Antonio Palocci, da Fazenda, e Paulo Bernardo, do Planejamento, não topa abandonar o regime de metas de inflação, nem concorda que se utilize a política de juros para derrubar o déficit público.     
O próprio Delfim Netto, quando lançou a questão, indicou que o modo de implementá-la está no aumento do superávit primário, a economia que o governo faz nas despesas de custeio e investimento para pagar a conta de juros. Acrescentou ainda que esse superávit primário deve ser elevado à custa de redução de gastos, não de aumento de impostos.     
Assim, a proposta de déficit zero não seria fixada na Constituição, nem mesmo na lei orçamentária. Seriam fixados os caminhos que, cumpridos, levariam à eliminação do déficit, a saber: elevação do superávit primário (a economia nas despesas primárias) e congelamento do valor real das despesas públicas, isso tudo mantido por um período suficiente de anos.     
Isso exigiria, de modo complementar, o tal choque de gestão na administração pública. Não é preciso muita pesquisa para se verificar que o governo gasta muito e mal. Experiências recentes, como do governo Mário Covas em São Paulo, sob o comando do economista Yoshiaki Nakano, mostraram como é possível operar verdadeiras revoluções na gestão pública, com resultados rápidos.     
E se o caminho é esse, tem a concordância daqueles economistas preocupados com a eventual utilização da proposta do déficit zero para se abandonar o regime de metas de inflação.     
Mas se pergunta: por que então definir o programa como de déficit zero? Por que não ficar simplesmente com metas como o congelamento do gasto público de custeio e/ou a redução do endividamento?     
Porque déficit zero é mais forte, tem mais marketing, vende melhor. Significa dizer que o grande devedor, o Estado, está tomando juízo. Mais ou menos como a pessoa que, atolada em dívidas, queima em praça pública seus cartões de crédito e talões de cheque.     
Cidadãos e países normais tomam crédito, fazem dívidas. Em circunstâncias normais, devem mesmo fazer economia nos bons momentos para poder gastar nas fases ruins. Mas o setor público brasileiro não é normal ? é muito grande, obeso, não cabe no país e deve exageradamente. Precisa de soluções radicais, como a operação de redução de estômago.     
Lá na frente, zerado o déficit e, aí sim, com a redução dos juros, pois o devedor apresentará menos risco, pode-se voltar a comer.     
É verdade, por outro lado, que a marca déficit zero guarda uma infeliz relação com o fracassado Fome Zero. Mas continua sendo boa marca.     
Finalmente, é extraordinário que, neste momento de fragilidade para o governo Lula, se esteja discutindo algo tão sério quanto reduzir o déficit público em vez de políticas populistas, como a derrubada de juros na marra ou o aumento de gasto para que as lideranças ameaçadas atendam sua clientela.     
É preciso reconhecer que a implantação da medida é difícil, dada justamente a crise do governo e do PT. Exige apoio das oposições que, logo estarão interessadas em fragilizar ainda mais Lula, já preparando terreno para as eleições presidenciais. Mas só o início do debate e o rumo que tomou já são um avanço.     
Veremos. Publicado em O Estado de S.Paulo, 11 de julho de 2005

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