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A falta que nos faz um Biden

A falta que nos faz um Biden

 

Carlos Alberto Sardenberg

Em 2 de janeiro deste ano, os Estados Unidos bateram o recorde de casos de Covid-19: 300.416 pessoas foram infectadas naquele dia. Em 12 de janeiro, cumprindo o ciclo do vírus, foi registrado o recorde de mortes por dia: 59 mil.

Joe Biden tomou posse uma semana depois, em 20 de janeiro. Pois bem, no último dia 18, 59.800 residentes nos EUA foram infectados. E 1.611 morreram.

Os dados são do mapa da Covid-19 da Universidade de Johns Hopkins.

Pode-se dizer que a vacinação já estava em curso, que o governo federal já estava comprando vacinas nas últimas semanas de Trump.

Verdade. Mas não percamos de vista a força de uma liderança nacional. Biden virou, sim, o jogo. Ele e a vice, Kamala Harris.

Primeiro, pela empatia com a população que sofria com a doença, sentimento demonstrado em cerimônias fúnebres de pesar e respeito, uso da máscara e campanhas pela vacinação. Isso muda o estado de ânimo de um país.

Segundo, pela ação fulminante. Prometeu vacinar 100 milhões de cidadãos em 100 dias. Passou dos 100 milhões no começo desta semana, sem distinguir entre americanos e não americanos.

Mais: em menos de dois meses de governo, aprovou um pacote de ajuda de U$ 1.9 trilhão, dinheiro para apoiar empresas, empregos e pessoas. Na semana passada, famílias residentes começaram a receber os depósitos em conta, U$ 1.400 por pessoa  – um pagamento só – e parcelas mensais para crianças.

Ok, não precisam me dizer. Os EUA formam um país rico, com a maior parte da população bancarizada e a economia formalizada.

Mas quando o governo Bolsonaro e o Congresso brasileiro levam mais de três meses para aprovar o programa de auxílio emergencial, isso não revela apenas incompetência. Indica falta de empatia e de preocupação com os doentes, seus familiares e os mais pobres.

O Congresso não ficou à toa nesse período. Negociou por semanas, nos bastidores, a eleição de suas mesas diretoras. A Câmara ainda arranjou tempo para tentar emplacar uma legislação pró-impunidade de seus membros.

O presidente Bolsonaro seguiu na marcha da loucura. Mandou procurar vacinas “na casa da mãe” e agora anda desconfiado que todos os gestores de hospitais do Brasil, inclusive do SUS, formam um bando de mentirosos. Estariam todos passando números falsos de casos e mortes, tudo exagerado, para criar um clima contra ele, presidente.

Trata-se de um insulto grave ao pessoal da saúde, que está trabalhando além do limite para conter os casos crescentes. E uma ofensa aos doentes, os mortos, os familiares, os amigos.

Será por isso que até a tarde de ontem não manifestara condolências pela morte do senador Major Olímpio? Será que ele desconfia que o senador, seu desafeto, não morreu de Covid?

Parece absurdo, eu sei. Mas nosso colega Lauro Jardim relatou ontem que o futuro ministro da Saúde, o dr. Queiroga, pretende mesmo dar uma blitz nos hospitais para checar se tem “tudo isso” de Covid.

E Bolsonaro ameaça decretar estado de sítio para acabar com o toque de recolher decretado por governadores e prefeitos.

O que ainda pode ser mais absurdo?

O pagamento de um auxílio de pequeno valor só a partir de abril. Diz o governo que não tem mais recursos. Tem sim. Os deputados e senadores poderiam abrir mão do dinheiro de suas emendas. O Congresso e o presidente poderiam ter usado sua maioria para cortar gastos com o funcionalismo.

Atenção, para evitar mal entendidos. Dá para reduzir salários e benefícios da elite do funcionalismo, o pessoal da média e alta burocracia, nos três níveis do governo, Executivo, Legislativo e Judiciário.

E, com isso, aumentar o auxílio e dar prêmios substanciais ao pessoal da linha de frente do SUS e dos demais órgãos da saúde.

Eis o ponto: falta uma liderança nacional e um Congresso não que represente o povo – seria demais – mas que ao menos o respeitasse e sentisse vergonha pelo que se passa.