O DERROTISMO BRASILEIRO

. O dólar e o apocalipse Com a queda da última semana, a Bolsa de Valores de São Paulo tornou-se a mais barata da América Latina. Pelo critério que relaciona preço das ações com o lucro das empresas, tudo em dólares, e assim determina quanto tempo o investidor leva para receber seu dinheiro de volta, as companhias brasileiras listadas na Bovespa são as mais baratas desta região. Isso significa que é mais barato comprar o Bradesco do que, digamos, um banco boliviano. Ou seja, o banco boliviano vale mais que o Bradesco. Ou ainda, que as companhias argentinas valem mais que as brasileiras, sempre medindo-se em dólares na bolsa. Na mesma moeda, o Produto Interno Bruto brasileiro (a soma de tudo que é produzido no país, a expressão da riqueza nacional) já é menor que o do México. Isso é uma medida de macroeconomia. Tomemos outros indicadores, próprios da economia real. Por exemplo, o Brasil consome o dobro da energia utilizada no México. Assim, ou a economia mexicana é de duas a três vezes mais produtiva que a brasileira ( e consegue produzir mais com menos energia) ou alguma medida está errada. Como está na cara que a economia brasileira é maior, simplesmente porque produz mais e consome mais mercadorias e serviços, a medida do PIB em dólares não exprime a realidade. Do mesmo modo, a Bovespa não pode ser mais barata que a bolsa de El Salvador, nem da Argentina, cujas condições econômicas reais são claramente piores. Tudo considerado, é obrigatório concluir que a cotação do dólar está errada. Não pode custar R$ 2,80. Mas custa. Por que? Há diversas explicações na praça, ou tentativas de explicação, que podem ser resumidas em dois grandes grupos. O primeiro é o das teses circulares. Por exemplo: diz-se que o dólar sobe porque a dívida pública brasileira está em alta e isso gera desconfiança em relação ao pagamento futuro. Mas a dívida subiu basicamente porque o dólar, que indexa parte dessa dívida, está em alta. Outra explicação: o dólar sobe porque o déficit público nominal está muito acima dos padrões internacionais. De novo, retirando-se o efeito da alta do dólar, o déficit brasileiro fica abaixo dos padrões internacionais, sendo que a imensa maioria dos países mede as contas públicas sem levar em conta as variações da taxa de câmbio. Faz sentido? O Brasil inclui o câmbio, o déficit cresce por causa disso e aí o dólar sobe porque o déficit é elevado? É verdade que os mercados financeiros não raro caem no turbilhão de círculos viciosos. Mas são momentos de curta duração, a menos que a situação da economia real seja desastrosa. E não se pode dizer que a economia brasileira esteja perto do colapso. Contas públicas, por exemplo. Estão melhores hoje do que em qualquer momento no passado. Sim, há problemas, a carga de impostos é elevada, não se resolveu o déficit da previdência pública, mas o ponto é que a situação hoje é claramente melhor e continua melhorando, nos três níveis de governo. Assim, é verdade que as contas pioraram por causa do dólar. Mas não é verdade que o dólar subiu por causa da piora das contas públicas. Quanto ao déficit das contas externas, considerado por muitos como a principal vulnerabilidade do país, não está aumentando em valores absolutos. Aumenta como proporção do PIB, mas pela redução contábil do PIB medido em dólares. É verdade que o financiamento desse déficit ficou mais difícil. No ano passado, os investimentos diretos estrangeiros (IDE, mais de US$ 30 bilhões) cobriram com folga esse buraco. Neste ano, o IDE estará abaixo dos US$ 20 bilhões, de modo que faltarão uns US$ 6 bilhões para cobrir todo o déficit externo. Não é o fim do mundo. O Banco Central está colocando esses US$ 6 bilhões no mercado pela venda diária de US$ 50 milhões. O governo também já colocou bônus no exterior que garantem pagamento e/ou rolagem da dívida externa para o ano que vem, contando também o dinheiro do FMI. As empresas e bancos que tomam dólares no exterior têm rolado seus compromissos. O balanço de pagamentos externos fechou no azul no primeiro semestre. Em resumo, é evidente que a situação do Brasil piorou desde o começo deste ano, originalmente por causa da desaceleração dos Estados Unidos, que acabou atrasando todo o mundo. Com as economias desenvolvidas mais fracas, há menos dinheiro para investimento externo e financiamento dos países emergentes – e o Brasil precisa desses recursos. Em cima disso, veio o baixo astral que se seguiu ao ataque terrorista. E isso nos leva ao segundo tipo de explicação para a escalada do dólar: a piora das expectativas, com o que migramos da economia para a psicologia, a política e a antropologia. Claro que as incertezas aumentaram, mas por que teriam aumentado mais aqui? O clima nervoso por acaso não é mundial? Os dólares estarão mais escassos, mas isso para todo mundo, inclusive os Estados Unidos, não é mesmo? Mesmo os países que têm saldo no comércio externo também vão sofrer, já que venderão menos para os Estados Unidos e para os demais países ricos, todos em desaceleração ou recessão. Por que as coisas pioram mais no Brasil do que nos outros? E se o jogo é de expectativas, eis aqui uma outra: com o dólar a R$ 2,80, os produtos brasileiros ficam baratíssimos no exterior. Vai dar para vender sorvete no Alaska. Nesse momento de recessão, será até vantagem chegar nos mercados externos com produtos baratinhos. Inversamente, os brasileiros viajarão cada vez menos ao exterior e importarão cada vez menos. Ou seja, o comércio externo tende a ficar superavitário. E não estava aí a principal vulnerabilidade? Por que não prevalece essa expectativa positiva, de que entarão dólares? A resposta ou boa parte dela encontra-se no magnífico artigo de Roberto DaMatta, publicado neste Estado, no útimo dia 20, página D14, “A visão brasileira da tragédia americana”. Uma amostra: “Para os jornalistas brasileiros (e para os analistas políticos e econômicos, acrescento eu) o Apocalipse está … ali na esquina e Nova York acabou. Do lado americano, sobressai aquela insistência não no fim, mas no começo e na continuidade”. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 24/09/2001)

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