O BC entregou o serviço
A inflação está em alta.
Em doze meses até agosto último, a inflação medida pela IPCA saltou para 4,18% (contra 3,8% no mesmo período do ano passado e 3,1% para ano fechado de 2006).
As previsões de inflação para 2007 e 2008 subiram para 4% e 4,2%, isso no cenário de referência do Banco Central, conforme se lê no Relatório de Inflação divulgado na semana passada.
A primeira das causas está na elevação do preço de alimentos ?e todos os analistas concordam neste ponto.
Mas não há concordância em relação à natureza dessa alta. Para alguns, é passageira, reflete fatos naturais do setor, como entressafra e quebra de safra em alguns países. Para outros, além destes problemas, há um outro fator mais importante: o consumo de alimentos está em alta, especialmente no mundo emergente, em consequência do crescimento econômico e melhora da renda de milhões de pessoas.
Se isto é verdade, então os preços de alimentos mudaram para um nível superior, em um fenômeno mais duradouro de pressão inflacionária.
O Banco Central brasileiro mostrou forte preocupação com este ponto no Relatório de setembro.
A outra questão envolvendo a inflação brasileira tem a ver com a relação consumo/produção. O crescimento do consumo está forte no país. As vendas no comércio varejista sobem há vários meses e em ritmo cada vez mais intenso, movidas a renda, emprego e crédito.
Os investimentos, que aumentam a capacidade de produção e, pois, de atender o consumo crescente, também estão em alta, todos concordam com isso. Mas estariam em alta suficiente?
De novo, há divisão aqui. Uns, como o ministro Mantega, dizem que está tudo bem. O investimento e mais as importações darão conta do consumo crescente, dizem.
Outros, como o BC, de novo, notam que, apesar da expansão dos investimentos, a utilização da capacidade instalada, na indústria, continua em nível recorde. Ou seja, os investimentos estariam crescendo em ritmo insuficiente.
Reparem, pois. Nos dois casos, a visão do BC, que é também de muitos economistas de fora do governo, recomenda uma cautela adicional com a inflação.
Duas conclusões decorrem daí.
A primeira: tudo considerado, parece que o BC está dando o sinal de que vai suspender o processo de redução da taxa básica de juros. Dar um tempo, como se diz, para observar melhor a cena.
A segunda conclusão: o BC pode fazer isso porque, bem visto, o cenário se mostra muito positivo.
Se as previsões do BC e do mercado estiverem corretas, o país terá neste ano uma inflação de 4% (previsão do BC) ou um pouquinho mais, mas sempre abaixo do centro da meta, de 4,5%. E terá crescimento do Produto Interno Bruto de 4,7% (previsão do BC) ou mais perto de 5%.
Para 2008, se espera um quadro muito parecido, tudo indicando inflação na meta e crescimento acima da média dos anos difíceis. A taxa real de juros, considerando a taxa nominal de 11,25% e descontando uma previsão de inflação de 4,2%, está hoje em 6,7% ao ano. Alta se comparada com outros países, mas a menor taxa desde a introdução do Real, em 1994.
Ora, está bom, não é mesmo?
Mesmo porque as receitas para que o país acelere o crescimento não estão mais na cozinha do Banco Central.
Essas receitas dependem agora das lideranças políticas e dos eleitores, que as elegem. Para crescer mais, o Brasil precisa reduzir o tamanho do Estado (vale dizer, reduzir arrecadação e gastos públicos) e abrir espaço para os investimentos privados.
O BC, com sua independência na aplicação da política de metas de inflação, já entregou o serviço.
(Des)fazendo negócios
A propósito de crescimento, a má notícia da semana passada: o Brasil piorou sua posição na nova edição da pesquisa do Banco Mundial, ?Fazendo Negócios?, que mede o ambiente de negócios em 178 países. O propósito é verificar se esse ambiente é favorável ou hostil ao empreendimento privado. O Brasil aparece em 122o. lugar, uma posição atrás da obtida no ranking do ano passado.
O Brasil é agora o último dos quatro principais países emergentes. A Rússia piorou mas continua à nossa frente. A Índia, que estava atrás na pesquisa 2006 (em 134o.), passou duas posições à frente. A China, como vem conseguindo todos os anos, melhorou dez posições para chegar ao 83o lugar, no seu esforço de ampliar aceleradamente a economia de mercado.
Como se avalia isso?
Se a pessoa consegue abrir uma empresa em alguns dias, obtendo poucos registros e licenças via internet, sem precisar ir a qualquer repartição pública, nem falar com qualquer burocrata e ainda gastando pouco, esse país oferece um bom ambiente para os empreendedores.
Se, ao contrário, são necessários 152 dias para abrir a empresa, 411 dias para completar a papelada junto a diversas repartições, pagando-se taxas caras para os governos e honorários para os advogados e contadores, o ambiente é um desestímulo só.
Este último é o brasileiro. O outro é o que se encontra em lugares tão diferentes entre si no grau de desenvolvimento, na história e na cultura ? como Cingapura, Nova Zelândia, Estados Unidos, Hong Kong e Dinamarca, os primeiros cinco colocados no ranking do Banco Mundial. Diferentes, mas com um sólido ponto comum: garantir a propriedade e abrir espaço para o empreendedor privado.
A hostilidade brasileira não vem do acaso. Reflete uma cultura que desconfia dos capitalistas. Por isso impõe tantas exigências, regras e controles ao funcionamento de uma empresa.
Todo mundo aqui deveria ler o livraço de Alan Greenspan, A Era da Turbulência. Para entender como o capitalismo, com todos seus problemas, é a fonte de desenvolvimento.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 01 de outubro de 2007