A REAÇÃO PSICOLÓGICA E ECONÔMICA AO TERROR

. Combata o terrorismo, compre um carro Primeiro foi o prefeito de Nova York, Rudolph Giulianni, pedindo que os munícipes voltassem à vida normal, depois da trágica semana do 11 de setembro. “Levem as crianças à escola, voltem ao trabalho, façam compras, esse é o melhor meio de mostrar nossa resistência”, disse o prefeito. Logo depois, o ex-presidente Bill Clinton, ao lado do prefeito numa cerimônia convocada para marcar o fim da emergência na cidade, comentou que ele e Hillary estavam saindo dali direto para o shopping. Finalmente, na última quinta-feira, o presidente George Bush foi ao aeroporto de maior movimento no mundo, o de Chicago, para pedir que os norte-americanos voltassem a embarcar nos aviões comerciais. Há diversos sentidos aí, do estado de espírito de um povo à economia. Alma e dinheiro. No caso da economia, a coisa é óbvia. Dois terços do Produto Interno Bruto americano são gerados pelo gastos com consumo. Assim, se as pessoas desertam do shopping, a recessão é inevitável. Daí a atenção dos analistas para os diversos índices que medem a confiança do consumidor – e que vinham em queda ainda antes do 11 de setembro, em consequência da desaceleração econômica, de sua vez provocada por uma forte queda dos investimentos, especialmente em tecnologia, verificada depois do estouro da bolha da Nova Economia. Apesar dessa queda na confiança, até aquele momento, o mínimo de crescimento da economia americana se ancorava na expansão do consumo pessoal, moderada, é verdade, mas ainda aumentando. Com o estado de espírito do consumidor em baixa por causa do empobrecimento dos detentores de ações (mais da metade da população) e do mau desempenho geral das empresas, estava-se a um passo da recessão. Ora, o ambiente negativo criado pelos ataques terroristas e a insegurança dos primeiros momentos – estaríamos no limiar da terceira guerra mundial? – empurrou para esse passo. Nesse quadro, a medida correta de política econômica é estimular o consumo, coisa aliás que o Federal Reserve, o Fed, se apressou a fazer. Convocou reunião extraordinária e derrubou os juros. Financiamento barato estimula o bolso, mas é preciso também estimular a confiança, mostrar que a vida continua. Eis como aparecem os valores. O terrorismo do fundamentalismo islâmico não tem uma agenda política. Seu objetivo não é, por exemplo, forçar uma queda do governo nos EUA, obrigar as nações ocidentais a reconhecerem o regime do Talibã, substituir o capitalismo por algum tipo de socialismo, nem mesmo obter um acordo de paz no Oriente Médio. Na bagagem de Mohammed Atta, que o FBI acredita ter sido o piloto do jato que atingiu a primeiro torre do World Trade Center, encontrou-se um texto de cinco páginas, em árabe, que misturava recomendações práticas aos terroristas (não esquecer facas, levar documentos, verificar se não está sendo seguido) até exortações religiosas. Eis um trecho: “Purifique seu coração, limpe-o de todo assunto terreno. O tempo do divertimento e da perda chegou ao fim. O tempo do julgamento chegou”. Eis aí: rejeição aos bens terrenos, preparação para a vida eterna. O que mais simboliza bens terrenos senão a civilização ocidental? Note-se, porém, que a idéia não é propriamente destruir toda a civilização ocidental, objetivo obviamente impossível mesmo na mente do mais fanático terrorista islâmico. Mesmo que haja uma severa recessão agora, em poucos meses a economia capitalista ocidental estará de novo em crescimento, como está desde a Revolução Industrial dos anos oitocentos, uma fantástica máquina de gerar riqueza. Por que então Atta e seus companheiros se matam? Para purificar o coração, alcançar a vida eterna, merecida depois de se aplicar um golpe na vida Ocidental, o Grande Satã, que vive no mercado, produz e vende, troca dinheiro no mercado financeiro do Trade Center. Daí a reação instintiva dos americanos. Sem maior teorização, pelo país afora, o pessoal mostrou seu modo de combater o terror islâmico. Uma equipe da revista eletrônica Slate colecionou cartazes encontrados pelo interior dos Estados Unidos. Na fachada de hotéis em rodovias no Mississipi e no Oregon: “Deus abençoe a América, Bem-vindo, Café da manhã Continental grátis”; “Deus abençoe a América, Domingo a quinta, US$ 28,88”; “Deus abençoe a América, Crianças comem de graça”. E no comércio de Nashville: “Confiamos em Deus, unidos permanecemos, bandeiras a US$ 2,99”. Parece apenas uma oportunista estratégia comercial, mas como foi a reinauguração da bolsa de Wall Street? O hino nacional, uma oração, um minuto de silêncio, toca o sino e, vamos lá, McDonald’s a 80 dólares, compro! Um fundamentalista islâmico encontraria aí a prova de suas convicções. Bando de materialistas, adoradores do vil metal. E perdem assim o que há de melhor no Ocidente, essa mistura de alma e corpo, idéia e matéria. Isso aqui é o capitalismo, o mercado, o dinheiro, mas também a liberdade política, a democracia, os direitos individuais, a separação Igreja/Estado, a tolerância religiosa, o respeito às minorias (excetuados os fumantes nos EUA), a igualdade de oportunidades, educação laica universal. Sim, é claro que muitas vezes os direitos não são respeitados. Mas uma coisa é reconhecer que as mulheres ganham menos pela mesma função e definir normas que igualem as carreiras. Outra, bem diferente, é ter definido na lei, ao mesmo tempo civil e religiosa, que as mulheres são seres inferiores, coisas do diabo, exigindo constante punição purificadora, razão pela qual não podem estudar, nem trabalhar, muito menos comprar um vestido novo no shopping. Tudo considerado, resistir ao terror do radicalismo islâmico inclui perseguir e punir os terroristas, preservar a democracia ou criar meios para implantá-la onde não existe (na aliada Arábia Saudita, por exemplo), garantir os direitos individuais e recolocar a economia em andamento, comprando-se alguma coisa, como sugere o título deste artigo. E que poderia ser o slogan de uma campanha da indústria automobilística. Mediante o justo pagamento de direitos autorais, é claro. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 01/10/2001)

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