. Mas daqui a seis anos . . .
Então ficamos assim: hoje, falta gás se não chover ou se o presidente Evo Morales engrossar com o Brasil. Mas daqui a cinco, seis anos, estaremos estufados de gás, dando bananas para a Bolívia.
Hoje, o Brasil ainda é deficitário no comércio externo de petróleo, combustíveis e lubrificantes mas daqui a cinco, seis anos o país será grande exportador líquido e cartola na Opep.
Hoje, há risco de faltar energia elétrica mas daqui a cinco, seis anos, vai sobrar.
Hoje, os preços de energia estão subindo, já que o produto é escasso, mas daqui a cinco, seis anos ….
Esse é o discurso do governo Lula no momento. A reação aos ?probleminhas? atuais é uma fuga para o futuro. Trata-se de óbvia estratégia de mídia ? e o presidente Lula é um craque nisso ? mas é preciso admitir que as expectativas não são vazias.
Há bons projetos nos diversos setores que, se realizados conforme as melhores expectativas, de fato produzirão uma situação energética confortável no futuro. Isso remete o debate ao ponto mais importante: quais as chances desses projetos serem realizados a tempo?
Esse novo campo de petróleo anunciado pela Petrobrás, o Tupi, por exemplo, é uma boa esperança, mas para levar o Brasil a entrar na Opep, como diz o governo, será preciso superar muitas etapas complexas.
Em primeiro lugar, será preciso desenvolver nova tecnologia, pois embora a Petrobrás seja competente na exploração em águas profundas, esse campo impõe outros desafios. Trata-se de uma situação geológica diferente, que exige um novo tipo de know-how, a ser desenvolvido durante os trabalhos de prospecção. É não é simples avançar nisso.
Há desde problemas técnicos até econômicos, relacionados `a cotação do petróleo. A 100 dólares o barril, qualquer exploração é econômica. Mas se houver uma desaceleração da economia global, o preço vai cair.
Além disso, a Petrobrás, que, pelo movimento inicial do governo, deverá ficar com o novo campo, precisará adquirir estações, máquinas e equipamentos atualizados, o que também não é simples. Hoje, com o petróleo a 100 dólares, o mundo todo está explorando óleo. Logo, estão em falta os equipamentos.
Outro dia, o presidente Lula, defendendo a decisão de seu governo de obrigar a Petrobrás a encomendar navios e estações no Brasil, disse que essa era uma escolha política, não ?matemática?, quer dizer, não econômica. Produzir no Brasil custa mais caro e demora mais, porque faltam capitais e tecnologia a companhias aqui instaladas ou por instalar. Mas gera emprego aqui, diz Lula.
E continua sendo custo. Por isso mesmo, outras plataformas de exploração da Petrobrás estão atrasadas.
Pelo modo como está desenhado o setor, em modelo que vem da era FHC, a Agencia Nacional de Petróleo deveria licitar os blocos de exploração, incluindo aqueles próximos dos novos campos, numa competição aberta a companhias nacionais e estrangeiras. As vencedoras explorariam o negócio comprando os equipamentos onde bem entendessem.
Mas pelo jeitão do governo Lula ? e pela decisão de excluir blocos próximos da nova reserva da rodada de licitação da ANP ? tudo sugere que se vai levar todo o negócio para o controle da Petrobrás.
E se for assim, uma decisão política e ideológica, vai atrasar o processo. Por maior que seja e por mais associações que faça, a Petrobrás tem limitações de capital, pessoal e tecnologia para tocar todo o serviço. E mais atrasos (e custos) haverá se for mantida a orientação para adquirir equipamentos no país.
Repetindo: o grande projeto de autosuficiencia está atrasado por todos aqueles fatores.
Mesmo que não se imponham essas restrições nacionalistas e estatizantes aos novos projetos, o risco de atraso continua no cenário, pois há escassez no mercado mundial de navios e equipamentos petrolíferos.
Tudo isso vale para os projetos do gás. O governo conta com prazos curtos para desenvolver a produção local e a importação de outros paises. Idem para a energia elétrica. Neste último caso, por exemplo, o governo conta com a construção das megahidrelétricas do rio Madeira não apenas em prazo rápido, mas em tempo recorde.
E tem mais um detalhezinho, como diria o presidente. Todos esses prazos vencem depois de 2010, quando Lula já não será presidente. Ele poderá dizer: deixei tudo arrumado, os outros é que não souberam tocar… E com a capacidade que Lula tem de virar histórias pelo avesso, não será fácil para o presidente do momento.
A outra questão é a seguinte: mesmo que não ocorram os piores cenários, como uma seca longa e severa, haverá problemas no abastecimento de energia. No mínimo, preços em geral vão subir e há grande probabilidade de escassez aqui e ali.
Isso tem efeitos políticos e poderá desmoralizar o discurso das grandes promessas. Um prato cheio para a oposição, se houvesse uma oposição de verdade.
Por outro lado, a emergência poderá levar Lula a optar por caminhos mais rápidos, como abrir a exploração de novos campos a companhias privadas, nacionais e estrangeiras, de modo a multiplicar os investimentos.
De todo modo, já houve uma quebra das regras. Os blocos foram retirados na véspera do leilão. Uma quebra inútil. A Petrobrás tem sido a grande vencedora dos leilões, inclusive associada a gigantes internacionais, que não acham bom negócio brigar com uma megacomopanhia quase monopolista. Aliás, foi em um leilão, em 2000, que a Petrobrás comprou os direitos de exploração do campo de Tupi (e por apenas R$ 15 milhões).
Mas também é possível que o presidente Lula deixe tudo como está, inclusive com o viés nacional-estatizante, e confie no seu taco para … 2014, ano da Copa. Prospecção de petróleo pode dar errado, mas também pode sair melhor que a encomenda.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 12 de novembro de 2007