Não é empréstimo, é carona. Sério?
Carlos Alberto Sardenberg
Qual a diferença entre tomar um jatinho de empréstimo ou pegar uma carona nesse avião? Nenhuma, claro. O fato é que Lula, presidente eleito, viajou de graça no jato de um empresário, José Seripieri Junior, que ganha dinheiro no ramo de corretagem de planos de saúde, setor fortemente regulamentado. Erro mais evidente, impossível: o presidente ganhou um favor de um empresário cujos negócios dependem do governo, para o bem ou para o mal.
Acrescente-se que o empresário fez fortuna durante governos petistas; financiou campanhas de Lula; emprestou ou “apenas” hospedou o presidente, como diria Geraldo Alckmin, em casa de veraneio em Angra; foi apanhado numa das operações Lava Jato; fez delação premiada e pagou multa de R$ 200 milhões.
Não há ressalva possível. Trata-se de equívoco ético e político. Levanta suspeitas.
O caso da PEC da transição – que libera gastos de até R$ 200 bilhões fora do teto – guarda algumas semelhanças na narrativa.
Esse dinheiro servirá para financiar o Bolsa Família – o pagamento de R$ 600 mensais, mais um adicional por criança – no que é uma política social meritória. Não é gasto, é investimento no bem-estar dos mais pobres, diz Lula.
OK, mas continuam sendo R$ 200 bilhões fora do orçamento e sem fonte de financiamento. É irregular, mesmo que seja aprovada a PEC que permite isso. É o mesmo caso da PEC kamikase do governo Bolsonaro, aprovada alegremente no Congresso: uma emenda constitucional para passar por uma cima da Constituição.
Tem mais. No orçamento para o 2023, está aprovada uma verba de pouco mais de R$ 100 bilhões para um auxílio mensal de R$ 400. Ora, esse recurso e mais o tanto necessário para chegar aos 600 reais ficam fora do teto. E assim, milagre da contabilidade criativa, aqueles R$ 100 bi que estavam no orçamento para o pagamento do auxílio ficam liberados para o futuro governo gastar onde bem entender.
Tudo somado e subtraído, aqueles 200 bilhões formam déficit primário na veia, a ser coberto com dívida a juros altos. Como o orçamento dentro do teto já tem déficit, a consequência é óbvia: irresponsabilidade fiscal.
Diz Lula: mas é responsabilidade social. Tenta criar assim uma oposição entre políticas sociais para os pobres e controle das contas públicas.
Já dissemos e vai de novo: no seu primeiro governo, Lula fez superávit no orçamento e lançou políticas sociais. Podemos pegar também exemplos de fora. Os países europeus são os mais adiantados na aplicação do estado bem-estar. E são também extremamente zelosos na estabilidade fiscal e monetária.
Qual a consequência da irresponsabilidade fiscal?
Quando o governo é devedor contumaz, isso enfraquece a moeda – no caso o real se desvaloriza em relação ao dólar e outras moedas. Quem vive em reais fica mais pobre, simples assim.
Moeda fraca gera inflação – e de novo pune os mais pobres.
Dívida pública crescente leva à alta de juros – o investidor pede mais caro para comprar títulos do governo. Os juros elevados pagos pelo governo se espalham por toda a economia. Claro, se eu posso ganhar 14% ao ano emprestando para o governo, por que emprestaria por menos a um empresário ou consumidor? Ou seja, investir ou consumir fica mais caro. Trata-se de desestímulo à atividade econômica – ou seja, à geração de emprego e renda.
Finalmente, as empresas locais perdem valor, estejam ou não listadas na bolsa de valores. Juros altos e incertezas fiscais reduzem o capital disponível para investimentos. O ambiente de negócios torna-se desfavorável, algo especialmente ruim num país em que o sistema tributário parece ter sido montado para infernizar a vida das empresas e das pessoas.
Tudo isso acontece e já aconteceu, a partir do Lula2 e de Dilma. Como é possível que não tenham aprendido que irresponsabilidade fiscal – com pedaladas e contabilidade criativa – levam a recessão e inflação?
Lembra a sacada de Talleyrand, comentando os erros repetidos dos Bourbon: não aprenderam nada e, pior, não esqueceram nada.