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Cheque em Branco?

Cheque em branco?

         Carlos Alberto Sardenberg

         Há diversas maneiras de solapar a democracia. A mais tosca é o golpe militar. Um exército liderado por generais, mas também por políticos civis, simplesmente fecha as instituições.

          Isso está fora de moda. Mesmo em 64, aqui, o regime tornou-se militar, mas sempre buscando ares de legalidade.

         O primeiro presidente general, quer dizer, marechal, Castello Branco, foi eleito no Congresso Nacional, inclusive com o voto de muitos parlamentares que viriam a ser cassados. Juscelino Kubitschek, por exemplo.

         Os demais presidentes também foram eleitos no Congresso, depois que os generais escolhiam um colega. A oposição permitida, o MDB, até apresentava candidatos, como a anti-candidatura de Ulysses Guimarães ou a candidatura de fato do general Euler Bentes.

         Quando a oposição parecia crescer, era simples: o regime fechava o Congresso por um período, cassava parlamentares e juízes, censurava a imprensa e, pronto, logo voltava à rotina controlada.

         Hoje em dia, há modelo mais sofisticado. O exemplo perfeito está na Rússia de Vladimir Putin. Olha-se pelo alto e parece uma democracia: o presidente é eleito pelo voto direto da população, tem mandato fixo, o parlamento aprova as leis, os tribunais julgam, jornais circulam, rádios e tevês estão no ar.

         Houve, é verdade, casos extremos. Adversários do regime que aparecem mortos, mas vejam a situação do mais popular líder oposicionista, Alexei Navalny. Ele sofreu um atentado, envenenado num voo da Sibéria para Moscou, mas foi salvo num hospital alemão.

         Voltou para a Rússia e  aí foi preso, com mandato judicial e tudo, sob duas acusações: violação da liberdade condicional e fraude. Foi julgado num tribunal, que ouviu seu advogado, e condenado a nove anos de prisão.

         Outro exemplo, o magnata do petróleo Mikhail Khodorkovski, que enriqueceu na era Putin, mas violou duas regras estabelecidas pelo presidente: não abrir meio de comunicação independente; não fundar partido político liberal.

         Foi preso e condenado por fraudes contra o imposto de renda, em julgamento aberto e com direito a defesa.

         Qual o truque?

         Controlar as instituições republicanas por dentro. Um passo essencial é controlar os tribunais, afastando juízes independentes e nomeando os amigos do rei. A ditadura brasileira fez isso: aumentou o número de juízes do STF, nomeou sua turma e depois ainda cassou “os outros”.

         Repararam? Sim, o presidente Bolsonaro cogita exatamente disso: aumentar o número de ministros da Supremo para nomear os novos e fazer a maioria.

         Só ele?

         Não. Em 2013, a então deputada Luiza Erundina, com apoio de advogados ligados ao PT, apresentou proposta de emenda constitucional que transforma o STF em Corte Constitucional e amplia o número de ministros de 11 para 15.

         Ironia. Bolsonaristas pretendem aproveitar essa emenda para retomar o tema.

         Outra forma de solapar a democracia é controlar/intimidar a imprensa. Na Venezuela, Chávez e Maduro não renovaram o direito de transmissão de emissoras independentes. É o que deseja fazer Bolsonaro.

         O PT, no governo, propôs controle social da mídia, ideia abandonada depois de reação da sociedade civil. Mas Lula já tentou expulsar o jornalista Larry Rohter, do NY Times. Mais, como ex-presidente, pediu publicamente a demissão de uma economista do Santander que, em análise técnica, disse que a perspectiva de reeleição de Dilma derrubava a economia. Prefeituras ligadas ao PT ameaçaram fechar contas no banco.

O Santander demitiu a economista, cujas previsões se realizaram inteiramente.

         Eleitores de centro dizem que Lula e o PT estão em outra e que Bolsonaro é ameaça imediata de solapar a democracia.

         Verdade. A prova é a tentativa do presidente de usar a PF e o Cade para ameaçar os institutos de pesquisa.

         Mas incomoda a resistência de Lula em acertar contas com aquele passado, incluindo a corrupção. Esse acerto e mais a definição de uma política econômica responsável, acho, consolidariam a vantagem do ex-presidente.

         Mas preocupa Lula querer ganhar com um cheque em branco.

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