. —Ou o Brasil caindo no encanto de velhos erros—-
O Brasil se atrasou na realização das reformas que garantiram a estabilidade econômica. Entre os principais emergentes, foi o último a obter o grau de investimento concedido pelas agências de classificação de risco e, mais importante, pelo mercado.
O atraso decorreu da complexidade da economia brasileira, mas também da dominância de um tipo de pensamento que não privilegiava as bases da estabilidade. Aqui se dizia, entre outras besteiras, que a inflação não era problema e que o país até precisava de um pouquinho disso para crescer.
Também se dizia que isso de equilibrar as contas públicas era coisa de teórico. Na prática, tal era a tese, o governo tinha de gastar com a clientela.
Esse ponto de vista igualava esquerda e direita. A primeira, como sempre, achava que toda solução estava no governo. Quanto mais intervenção do estado e quanto mais estatais, melhor. A direita não dizia assim, mas seus representantes mais votados entendiam que o papel do governo era apoiar os negócios amigos para fazer obras e, claro, obter dinheiro.
Isso calou tão fundo na mentalidade política que o PT, chegando ao poder, usou os mesmos métodos para fazer caixa. Apanhado, alegou, por meio de lideranças expressivas, que o dinheiro não era para o bolso pessoal, mas para a causa.
Com essa distinção entre esquerda e direita, não estranha que as reformas tenham demorado. Não foi fácil desmontar os grandes esquemas das estatais, que reuniam os interesses de trabalhadores privilegiados (nos salários, na estabilidade e nos fundos de pensão) e de empresários que viviam em torno daquelas companhias supostamente públicas.
Mas as reformas vieram. O Real acabou mostrando os benefícios da vida sem inflação, de imediato, e as vantagens da estabilidade macroeconômica, incluindo o equilíbrio das contas públicas. A cada passo nessa direção, aumentava a capacidade de crescimento do país, circunstância que permitiu, inclusive, o aumento dos gastos públicos não inflacionários.
O problema é que as reformas não resultaram diretamente de uma opção política feita nas urnas. O estímulo principal para a mudança foi uma sufocante sequência de crises. A inflação, que chegou a picos de 80% ao mês, tornou-se intolerável. A desorganização, a corrupção e a incapacidade do governo e suas empresas mostrou-se cruamente.
Mas, convenhamos, Itamar , que era vice de Collor, não assumiu com o objetivo de alcançar a estabilidade. Fernando Henrique Cardoso caiu de para-quedas no Ministério da Fazenda e não tinha mandato específico para isso.
A coisa saiu, entretanto. Depois, já com o Real na mão, FHC se elegeu e reelegeu presidente falando das vantagens da estabilidade. Lula se elegeu na primeira vez garantindo manter a estabilidade, mais por medo do que por convicção. A economia ameaçava degringolar quando o mercado antevia um desastre com o programa econômico do PT.
Depois, ora vejam, a coisa funcionou e aí ficou como estava.
O risco agora é uma volta a idéias que nunca morreram, mas estavam apenas suspensas. No congresso do PT, em andamento, o mote é justamente reforçar o papel dos governos , reformar e ampliar as estatais ? mais estado, menos mercado. Boa parte do pessoal acha que já não precisa se preocupar com a confiança dos mercados. ?Vamos agora fazer do nosso jeito?, tal é a sensação.
Olha-se para os outros lados da política, e não se vê grande diferença, embora mudem os partidos e os discursos. De outro modo, como se explicaria que PT e PMDB se dêem tão bem na gestão de imensas estatais, como Petrobrás e Eletrobrás?
O problema é que esse tipo de prática demora para mostrar seus efeitos ruins. Uma estatal, levada, pela política, a investimentos economicamente errados só entra no vermelho lá na frente. Um banco público, levado a conceder empréstimos equivocados, só cai no buraco em anos. O país já viu esses filmes, mas parece que se esqueceu.
É uma pena que estejamos discutindo esse tipo de assunto, de novo, em vez de, por exemplo, saber como fixar metas para que os nossos alunos tirem notas melhores nos testes internacionais.
Publicado em O Globo, 18 de fevereiro de 2010