Universidades estaduais paulistas

. A crise das três universidades públicas paulistas, USP, Unicamp e Unesp, pode ser assim enunciada: os salários dos professores são baixos; as instituições gastam toda sua receita com salários e aposentadorias; e o governo do Estado, vale dizer, o contribuinte paulista já gasta muito dinheiro com o ensino superior.
O primeiro ponto não precisa de demonstração. Não está certo pagar menos de R$ 3 mil para um professor com doutorado em regime de dedicação exclusiva.
Já o caso dos funcionários não é consensual. Primeiro, porque faltam dados. Encontra-se pouca coisa nos sites das universidades, o que é um falha grave. As universidades são autônomas, mas por viverem de dinheiro público deveriam fazer prestação de contas mais completa e atualizada. Na página da Secretaria Estadual da Fazenda, encontram-se os gastos de todas as unidades da administração, menos das universidades.
Assim, a única conta que se pode fazer é dividir o total gasto com pessoal pelo número somado de professores e funcionários. No caso da USP, dá uma média mensal em torno de R$ 3.200. Não quer dizer muita coisa porque deve haver muita disparidade, como aliás ocorre em toda a administração pública. Diversas categorias conseguem vantagens, outras ficam à míngua. Mas, como média, não está mal.
De todo modo, fiquemos com o consenso: os salários dos professores não são adequados a universidades de primeira linha.
O segundo ponto, que as universidades gastam quase 90% de sua receita com salários, também não é preciso demonstrar. Mas é preciso qualificar. Quase 30% dos gastos com a folha referem-se a pagamento de inativos.
Eis aí um enorme problema. Como os demais funcionários públicos, o pessoal das universidades também tem direito a aposentadoria integral e muitos conseguem retirar-se na faixa dos 50 anos. Na USP, a média de idade dos professores é de 48 anos, padrão próximo ao das melhores universidades. Nessa idade, o mestre tem a formação praticamente completa e está no auge da atividade.
Que possam se retirar nessa idade ? e passar a trabalhar para escolas privadas ? é um problema econômico e ético. Pesam na folha da universidade pública e representam um subsídio para a faculdade privada, que apanha o professor no auge, sem custo nenhum de formação.
Para as universidades públicas, é um saco sem fundo. A proporção de aposentados na folha aumenta todo ano. Assim, se o governo destinar mais dinheiro à universidade, no atual sistema, não vai acontecer nada. Vai tudo para a folha e o pessoal continuará ganhando mal.
A solução passa por uma reforma da previdência do setor público, com todos os ingredientes que se encontram em qualquer país: pensão proporcional à contribuição e idade mínima de aposentadoria bem acima dos 50 anos. E a criação de fundos de aposentadorias, com ativos que remuneram as pensões, em vez do sistema atual em que o caixa do Tesouro as paga com o dinheiro dos impostos recolhidos no mês.
É um problema do Estado, do contribuinte paulista, mas também das universidades. Com tanto conhecimento lá acumulado e com tanto dinheiro público lá depositado, elas não têm o direito de ficar fora desse debate. As lideranças universitárias deveriam estar discutindo a sua reforma da previdência, em vez de simplesmente tentar devolver a folha de inativos para o caixa do Tesouro. Isso seria o mesmo que aumentar a receita das universidades em uns 25% e apenas empurrar o problema real mais para a frente.
O terceiro ponto – que o governo do Estado e o contribuinte paulista já gastam muito dinheiro com as universidades – é muito fácil de demonstrar. Por lei, as três universidades recebem 9,57% do ICMS, que é a maior fonte de receita do Estado. Em todo o mundo, entende-se que o Estado deve investir preferencialmente em ensino fundamental e médio.
Eis as comparações. O governo paulista gasta com ensino fundamental e médio o dobro do que gasta com as universidades. Mas são mais de 6 milhões de alunos nas escolas primárias e secundárias, contra 95 mil nas universidades, incluindo graduação e pós-graduação.
As universidades devem receber neste ano, de ICMS, cerca de R$ 2 bilhões. Isso dará um gasto por aluno de R$ 21 mil/ano, ou aproximadamente 11,5 mil dólares. É equivalente ao que se gasta em boas universidades americanas e européias.
O gasto por aluno no ensino fundamental e médio é de R$ 660. Claro que as universidades são mais caras. Ainda assim, o governo não pode gastar com o universitário 32 vezes mais do que gasta com os demais.
O último ponto refere-se à qualidade do gasto nas universidades paulistas. Não há dúvida que as três instituições atingem níveis de excelência no que refere a número de docentes dedicados à pesquisa, doutores e trabalhos citados nas principais publicações internacionais.
Mas os números básicos apontam ineficiências. Um critério internacional, por exemplo, é comparar o número de alunos formados em um ano com o número de matriculados no mesmo ano. Nas melhores universidades, o índice vai de 0,85 a 0,92. Ou seja, no mínimo 85 formados por 100 matriculados.
Nas universidades paulistas, esse índice é de 0,66. Significa que as universidades têm estrutura, professores, funcionários e verba para formar 100 e formam apenas 66.
Também é baixa a relação professor/aluno e funcionário/aluno. Na USP, por exemplo, são 4,7 mil professores e 14,5 mil funcionários para 33,9 mil alunos de graduação e 20 mil de pós (dados do site da instituição, referentes a 1998, os mais recentes ali encontrados). Isso dá 11,7 alunos por professor e apenas 3,7 por funcionário. Na Unicamp, a relação é ainda mais baixa: 10 alunos por professor, 2,4 por funcionário. São estudantes muito bem assistidos. Ou, deveriam ser. Pois se o fossem, o número de formados seria maior.
O que isso quer dizer?
Como há faculdades e cursos quase lotados e de excelente qualidade, os recursos certamente estão muito mal distribuídos. Há professores e funcionários de mais e alunos de menos em muitos cursos e o contrário nos outros. Pior ainda: professores negligentes em cursos vazios e ineficientes ganham o mesmo que as melhores cabeças das universidades. Não pode dar certo.
Trata-se de um problema clássico de gestão, alocação de recursos, que as universidades deveriam enfrentar antes de reivindicar mais verbas ao contribuinte paulista.
E isso nos conduz ao último ponto: a falta de lideranças nos meios universitários para conduzir o debate em torno dos problemas que realmente ameaçam instituições tão importantes para o Estado e para o país. O governador Mário Covas está como que lavando as mãos: as universidades têm verba garantida por lei, são autônomas e zelosas de sua independência, então que se virem.
Até se entende, dado o grau de hostilidade que lideranças universitárias demonstram em relação ao governador. É claro, entretanto, que Covas sabe o tamanho da crise e não fugiria da responsabilidade de agir. Mas isso não é possível sem uma atitude prévia de aproximação das universidades, protegidas que são pelo estatuto da autonomia.
A situação, pois, é muito grave. A comunidade das universidades paulistas ? professores, funcionários e alunos ? deve ao contribuinte paulista prestação de contas, idéias e ação para enfrentar a crise. É um patrimônio inestimável que está em jogo.
(Publicado em O Estado de S. Paulo, 29/05/00)

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