ALIMENTOS E … O FIM DO MUNDO

. E o ponto de vista dos produtores?-

Coloque-se na posição de um produtor de arroz no Rio Grande do Sul. Durante muitas safras você lutou com preços baixos e sofreu a concorrência do arroz uruguaio que entrava via Mercosul, mais barato dado o custo de produção menor (incluindo uma carga tributária menos punitiva). Você reclamou dessa situação e lhe disseram: o que fazer? São as forças do mercado global….
Aí, pelas forças do mercado, os preços sobem e ficam bons do ponto de vista do produtor. E agora não pode? Vem o governo e ameaça com restrições à exportação e controle de preços internos?
Seria a mesma violação das regras do jogo que sofrem os produtores rurais argentinos. Exportadores de carne, por exemplo, fizeram um esforço danado para cumprir as regras sanitárias internacionais, livraram-se da febre aftosa, e conseguiram colocar seu bife nos supermercados dos países ricos. Aí vem o governo Kirchner, proíbe as exportações e tabela os preços internos.
O Brasil importava trigo dos EUA e do Canadá. Aí, por força do Mercosul, passou a comprar dos hermanos aqui ao lado, como eles mesmos reclamavam. Aí, ao menor problema, vem o governo Kirchner e proíbe as exportações.
Pelo mundo afora, governos estão reagindo do mesmo modo à crise de alimentos: dando tiros no pés, deles e dos vizinhos.
Princípio do capitalismo: o empreendedor precisa ter a certeza de que se apropriará dos resultados de seu investimento. Se não tem essa segurança, por que arriscaria seu capital?
Planta-se todo ano. Se o produtor consegue uma safra boa e não pode comercializá-la por causa obstáculos impostos pelos governos, é evidente que recebe um estímulo negativo. O fazendeiro vai procurar outro produto e/ou reduzir seu investimento. Cai a produção vai cair e isso pressiona os preços.
Por outro lado, exportações são essenciais para o desenvolvimento da agronegócio. Ampliam mercados, exigem ganhos de produtividade, universalizam as regras sanitárias, forçam a competição que favorece os melhores produtores.
Quando os governos impõem restrições às exportações, como se fez nos países grandes produtores de arroz, podem até amenizar a situação imediata. Mas para o médio prazo estão desestimulando a produção. Deveria ser o contrário, com políticas que levassem os produtores a investir mais.
Mas e o consumidor, sobretudo o mais pobre, fica sem comer? Eis o ponto: sendo necessária a ação do governo, deve ser a de subsidiar o consumidor mais pobre, não a de azarar a vida do produtor.
De onde se conclui, surpreendentemente, que o governo brasileiro fez a coisa certa ao não proibir as exportações de arroz.

Fim do mundo-2
Os preços de comodities, incluindo alimentos, começaram a subir a partir de 2003 e aceleraram a alta de 2005 para cá. Esse movimento coincidiu com o formidável crescimento da economia mundial, com forte participação dos países emergentes, a China em primeiro lugar.
Portanto, não há dúvidas aqui: no essencial, os preços responderam à demanda crescente. A produção, mesmo com quebras de safra aqui e ali, seguiu aumentando. Mas como no caso do petróleo, o crescimento da produção não alcançou a alta do consumo. Com o mercado muito justo, isso deu margem à especulação de fundos de investimento, isso do segundo semestre do ano passado para cá. Com a crise financeira global, comprar trigo, soja ou petróleo tornou-se um negócio mais seguro do que, digamos, ações de bancos norte-americanos.
Mas na base de tudo, há um forte crescimento da economia global. E nisso, este momento se parece com o que houve em 1973/74. O início dos anos 70 também foi um momento auspicioso da economia capitalista, com forte aumento do consumo. Os preços de alimentos decolaram. Na verdade, descontada a inflação, os alimentos custavam em, 1974, o dobro do que custam hoje.
E como hoje, também naquela ocasião apareceram as profecias do fim do mundo. Os mais pobres morreriam de fome por falta de dinheiro para comprar comida os mais ricos, porque não encontrariam os produtos.
Aconteceu bem diferente. Já a partir de 1975 os preços começaram a cair, inicialmente por um mau motivo. O período de crescimento foi abortado pela súbita alta do petróleo, inflação, alta de juros, recessão. O desastre derrubou a demanda.
Mas quando o mundo começou a se equilibrar, já nos anos 80, com preços ainda atraentes, a produção de alimentos cresceu extraordinariamente, graças sobretudo aos formidáveis ganhos de tecnologia. Assim, mesmo com o aumento do consumo, os preços de alimentos caíram sem parar, até o início dos anos 2000, quando, em termos reais, equivaliam a um terço das cotações de 1974.
Esses preços baixos, bons para os consumidores, claro, incomodaram os produtores por muito tempo, sobretudo dos países agrícolas mais pobres. Explica-se: EUA, União Européia e Japão subsidiaram seus fazendeiros com bilhões de dólares, provocando excessos de produção e preços baixos, tornando não competitiva a produção de muitas nações pobres e mesmo em desenvolvimento.
Já nestes anos 2000, a alta de alimentos e das comodities fez a festa de muitos países emergentes, inclusive do Brasil. Ocorre que as populações desses emergentes, com mais riqueza, aumentaram seu consumo e os preços subiram mais ainda.
Em cima disso, vieram a especulação e a decisão dos EUA de subsidiar o etanol de milho. A produção de milho subiu fortemente, deu para álcool e alimentos, mas levou a uma redução na produção de trigo e terminou empurrando para cima todos os preços.
E agora?
Agora, voltaram as profecias de fim do mundo. Como em outros momentos, entretanto, é mais provável que a humanidade, embora fazendo muita besteira, consiga dar um jeito quando a coisa aperta.
O Brasil, beneficiário dos preços altos, tem enorme responsabilidade global.
Publicado em O Estado de S. Paulo, 28 de abril de 2008

Deixe um comentário