TUDO SE REPETE NA POLÍTICA BRASILEIRA

. Direita, esquerda, volver Bom é na Inglaterra: a direita (Thatcher) faz as reformas liberais, a esquerda (Blair) mantém os fundamentos do mercado e acrescenta os programas sociais. Há escândalos, viola-se a privacidade de políticos e autoridades, mas quase sempre no quesito do sexo, como, aliás, nos EUA – o que não abala as instituições financeiras, além de ser mais saboroso para o público. Já por aqui, a esquerda frequentemente faz o serviço da direita. Escândalos sexuais não atraem tanto a atenção quanto uma declaração de imposto de renda ou o envio de dólares ao exterior, tudo, em princípio, muito suspeito. Autoridades econômicas constituem alvo preferencial, de modo que, em vez de crises conjugais, temos abalos financeiros. E a oposição de hoje, situação ontem, usa os mesmos métodos sujos da oposição de ontem contra o governo de hoje. Começa que ninguém quer ser de direita. E a direita que efetivamente existe é encravada no Estado, na melhor tradição ibérica. É gente que não apenas passa ao largo das reformas liberais, como vive de colocar correligionárias e familiares no comando dos órgãos e empresas públicas. Não importa para esse pessoal qual é o governo, importar estar dentro dele. Sobrou assim para um social democrata de verdade, FHC, tocar algumas reformas liberais e tentar montar os fundamentos de mercado, isso enfrentando dois tipos de oposição, diferentes nos motivos, mas iguais nos fins. Por exemplo: havia quem combatia as privatizações porque isso reduziria o número de cargos à nomeação. E quem se opunha por entender que o Estado deve comandar a economia. Este último grupo, o do PT, claro, mantinha uma ampla visão estatizante, antimercado, e acreditava que, deixando de pagar os credores do governo, sobraria dinheiro para tudo o mais, de salário mínimo gordo a investimentos em estradas. Além de ser uma ideologia à antiga, havia aí um problema, digamos, de prática política. Administrar prefeituras e alguns estados menores é muito diferente de tomar conta do país. A principal diferença é que só o poder federal é responsável pela política econômica. E uma coisa é quando se diz, de fora: reduza juros, esqueça o FMI e vamos em frente. Outra, bem diferente, é ter o poder de fazer isso. Bastou o PT ter a sensação de que poderia ganhar a eleição presidencial, em 2002, para começar a mudar a cabeça – ou as suas principais cabeças. Resultado: tal como no governo FHC, temos de novo a esquerda fazendo trabalho da direita. E, de novo, igualmente, com a aliança da direita que só quer nomear. Tudo considerado, porém, era razoável esperar que houvesse um efeito positivo para o país: todos os lados passariam por um eficiente aprendizado. O PT tomaria um choque de realidade, verificaria que o setor público no Brasil já é grande demais – ao contrário do que dizia a tese do esvaziamento do Estado – aprenderia que a vida não começa quando o PT chega ao poder, que o governo é uma sequência e que nem todos os anteriores eram traidores do povo. Já o grupo que governou com FHC – reunido no PSDB, PFL, parte do PMDB e de outros partidos – tendo a experiência de administração federal em momentos difíceis e severamente hostilizada – lembram-se do “Fora FHC”? – haveria de fazer uma oposição decente e responsável. Quanto à direita "nomeadora", se poderia esperar que diminuísse sua capacidade de ocupação. O que temos? O choque de realidade afetou apenas parte do PT, justamente – e ainda bem – a parte que comanda a política econômica. Outra parte, porém, permanece à antiga, lutando por mais intervenção estatal tanto em saneamento quanto no cinema. E, sobretudo, não gostando do que faz a parte que mudou. A antiga situação dividiu-se em três. Uma parte continuou no governo, inclusive nomeando. Outra se organizou em uma oposição responsável, que até ajudou o atual governo a aprovar algumas reformas (e isso foi o melhor que aconteceu). Já uma terceira aderiu francamente aos velhos métodos petistas de pedir coisas inviáveis – como o mínimo de 300 reais – e praticar a oposição do denuncismo, tipo terra arrasada. Não estranha a confusão. O imposto de renda e a movimentação bancária de Henrique Meirelles e Cássio Casseb – cujos sigilos fiscal e bancário não foram legalmente quebrados – têm sido vazados a conta gotas. Quem vaza? Há vários suspeitos habituais, nos diversos partidos, instituições e órgãos. Isso leva a uma magnífica teoria conspiratória: atacam-se os presidentes dos dois principais bancos até o ponto em que eles ou sejam demitidos ou se demitam. Dado o ambiente de denuncismo, ninguém de pensamento favorável à atual política econômica vai aceitar aqueles cargos. Assim, Lula e Palocci terão de engolir nomes ligados ao velho PT, o pessoal do Plano B, o das mudanças radicais. Aqui, a conspiração se divide. Para os que acham que a manobra é, na origem, uma coisa dos petistas que continuam na oposição, a conspirata seria vitoriosa porque levaria enfim a uma política econômica de esquerda. Para os que acham, ao contrário, que a conspiração é coisa do PSDB e PFL, a economia brasileira simplesmente iria para o desastre quando o comando do BC e do BB passasse para os velhos petistas. E com a economia naufragando, o resultado das eleições seria outro. Pelas conversas reservadas ao longo da semana passada, conclui-se que o núcleo do governo Lula acredita que há uma conspiração em curso. Mas não se sabe bem quem é que comanda. Mas será mesmo que esse pessoal do velho PT ou da nova oposição pode ser tão maquiavélico? Difícil. Além do mais, se Meirelles cair, Lula e Palocci darão mostras de extrema burrice se nomearem para a presidência do BC alguém que represente outra ala de política econômica. Estariam jogando a toalha no momento em que a economia dá fortíssimos sinais de crescimento e gera otimismo por toda parte. E eles não são estúpidos. Bem ao contrário, já deram demonstração de esperteza e firmeza no rumo escolhido. Ou seja, não há conspiração. O que há é um bando de gente se aproveitando, por motivos diversos, dessa farra que é divulgar informações protegidas por lei e, portanto, cometer um crime, sem que haja qualquer tipo de punição. Sequer investigação. Mesmo porque, convenhamos, todos esses serviços de inteligência do governo não têm a menor condição de ir atrás dessas histórias. Empresas privadas provavelmente têm, mas elas fazem parte da farra. E assim seguimos, tudo misturado. Parece que não há aprendizado político por aqui. Repetem-se as práticas, com os personagens invertidos. Como direita e esquerda que se misturam. Que falta nos faz um bom escândalo sexual. Publicado em O Estado de S.Paulo, 9/08/2004

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