GOVERNO FHC E INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA

. Governo FHC: Na dúvida, parou   Não é apenas em energia que se precisa investir. Calcula-se, por exemplo, que seriam necessários R$ 40 bilhões para universalizar o atendimento em água e esgoto no país. Faltam casas também. Estima-se que o déficit nacional está em torno de dez milhões de moradias, o que exige mais alguns bilhões de reais. E o que falar das rodovias? Tudo isso é tão importante quanto o investimento em hidrelétricas e termoelétricas. Portanto, se é verdade, como se diz nestes dias, que se deve deixar provisoriamente de lado o ajuste das contas públicas e liberar o governo para gastar em energia, então é preciso ampliar essa liberalidade para os setores de saneamento, habitação social e transportes, para ficar apenas na infraestrutura. Aí já passamos para a casa da centena de bilhões de reais, cifra que nos joga de novo na vala comum da “restrição orçamentária” – expressão que deixa horrorizados todos aqueles patriotas para os quais só há desenvolvimento com gasto público e estatais. Acontece que se podem arrumar alguns bilhões nos cofres públicos para algumas usinas geradoras de energia, neste momento de aflição. Mas não para todo o programa energético num prazo de, digamos, dez anos. E muito menos para saneamento, habitação etc.. Exceto, se diz, se o governo deixar de pagar ou reduzir a conta de juros. Os números são tentadores. O governo deve pagar neste ano algo como R$ 85 bilhões de juros. São números aproximados: a conta é a taxa básica de juros, hoje de 16,75% ao ano, sobre uma dívida de R$ 500 bilhões. Essa taxa de juros já foi menor, pode subir ou cair até o final do ano, mas uma pela outra dá algo perto daqueles R$ 85 bilhões. E isso daria para todos os investimentos, sobrando um tanto para o funcionalismo. Mas nessa coisa de orçamento, tem dinheiro de verdade e dinheiro virtual. Desses R$ 85 bilhões, a maior parte não é caixa. Para falar a verdade, o governo gasta com juros, paga de fato, o dinheiro do superávit primário. Este é o resultado da conta receitas (impostos, taxas e contribuições) menos as despesas (salários do pessoal, aposentadorias, funcionamento da máquina administrativa, renda mínima, merenda escolar, munição para a polícia, o porta-aviões da Marinha, etc..etc..). Para este ano, este superávit deve ficar em torno de R$ 35 bilhões. Vai tudo para juros. E o resto dos juros, os outros R$ 50 bilhões? O governo rola, isto é, emite títulos, vende no mercado financeiro e cobre assim o restante da conta. Toma emprestado para pagar juros de dívida anterior. Ou seja, a dívida sobe. Mas isso não é problema se é mantida a mesma relação entre dívida pública e Produto Interno Bruto (PIB, a soma de tudo que se produz no país, de mercadorias a serviços). Simplificando, se o PIB é de R$ 1 trilhão e a dívida de R$ 500 bilhões, a relação é de 50%. Se o PIB cresce 4% e vai a R$ 1,04 trilhão e a dívida sobe para R$ 520 bilhões, a relação permanece a mesma e não tem problema. Temos uma economia solvente. Essa é a equação da política econômica atual: obter um superávit primário tal que, combinado com a redução da taxa de juros, permita estabilizar a relação dívida pública/PIB em poucos anos. Sendo que a taxa de juros pode cair se estiverem boas as condições gerais da economia, entre as quais se inclui a própria estabilização da dívida. Uma coisa puxa a outra, quando tudo vai bem. En passant, note-se que a recente turbulência prejudica essa relação e fará aumentar a dívida se os juros não puderem voltar a cair em breve. Mas isso é outra história. Voltando à caça de dinheiro para investir, o que sobraria, se eliminado o pagamento efetivo de juros, seriam os R$ 35 bilhões do superávit primário. Continua sendo bastante para muita coisa. Só que seria preciso, então, refinanciar toda a conta de juros, ou seja o governo precisaria vender títulos no valor de R$ 85 bilhões só para isso. Com isso, a relação dívida/PIB subiria aceleradamente, ameaçando a solvência do país. O temor é que a dívida se torne “impagável”. Calote, portanto. Os investidores começam a pedir juros mais altos, esses juros elevam a própria dívida e assim vai embora. O governo pode, é claro, declarar moratória. Seguem-se de imediato duas consequências: primeira, arrasa a poupança da classe média brasileira, que está aplicada em fundos de investimento os quais compram justamente os títulos do governo; segunda, ninguém mais empresta para o governo. E o que acontece com um devedor que perde o crédito? Quebra. Ou seja, a política de suspender ou reduzir o pagamento de juros dá para alguns meses e sempre termina em desastre. Claro que uma redução forte da taxa básica de juros aliviaria a conta. Mas não basta o Banco Central decretar juros menores. O governo vende títulos por meio de leilões nos quais os compradores pedem os juros que consideram razoáveis para financiar o governo. Ou seja, quanto mais desconfiados estiverem, mais juros pedirão. Eis aí, é só falar em suspender os pagamentos que os juros já sobem. Portanto, não vai funcionar. O que nos traz de volta à “restrição orçamentária”? Onde buscar o dinheiro para tantos investimentos? Só pode ser no setor privado. Mas este só investe se tiver segurança de que o negócio dará o retorno do capital investido. Ora, para investir em saneamento, ainda é preciso saber quem manda na água e no esgoto, as prefeituras, grupos de prefeituras ou o governo estadual? Ou seja, quem concede a exploração do sistema e define a tarifa? Isso depende de emenda constitucional. E as companhias estatais de saneamento, com uma ou outra exceção, não têm o dinheiro para investir. Muitas estradas foram entregues em concessão a empresas privadas. Mas em diversos casos, os governos concedentes em seguida negaram reajustes nos pedágios e assim descumpriram contratos. O negócio parou. Para o governo investir mais em transporte, precisaria do dinheiro do imposto sobre combustíveis. Mas também isso depende de emenda constitucional. Para habitação social parece que não precisa de emenda, mas são necessárias outras leis e regras para o sistema de financiamento. Em resumo, é exatamente o que aconteceu com o setor de energia. O governo parou de investir por causa da restrição orçamentária. Tomou, por isso, a decisão de privatizar, mas o processo empacou e assim ficamos sem investimentos. Faltou a decisão política de regulamentar o setor. O mesmo que falta em outras áreas de infraestrutura. O primeiro governo FHC tinha uma clara determinação: acabar com a inflação, implantar o ajuste das contas públicas. Conseguiu. E aí se dividiu entre os que preconizavam insistir no caminho das reformas e da estabilização, cujo prêmio seria um crescimento organizado mais à frente, ou dar a tarefa por encerrada, acabar com privatizações, amolecer o ajuste e mandar bala no gasto e no financiamento público para crescer já. Na dúvida, parou. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 11/06/2001)

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