TOLERÂNCIA COM A INFLAÇÃO

—O BC aceita uma inflação alta agora, apostando que cai lá frente. É muito otimismo–

O Banco Central brasileiro, conforme a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária, Copom, divulgada na semana passada, escolheu o cenário mais otimista. Mas há aqui uma questão. Terá o BC sido convencido pelos números ou teria antes decidido ser otimista e, a partir daí, escolhido os números que coubessem?
Uma dúvida razoável. Tem implicações políticas. Ser otimista, no caso, e bem resumido, significa acreditar que a inflação vai cair sem a necessidade de uma alta mais forte da taxa básica de juros e sem um corte de gastos mais expressivo do governo. Segurar juros e ter espaço para gastar ? eis algo que interessa a qualquer governo, muito especialmente ao de Dilma Roussef.
O que leva a uma segunda questão: estaria o BC do presidente Alexandre Tombini mais alinhado com a política do governo, a ponto de sacrificar sua autonomia operacional?
O precedente recente do BC é negativo. Em junho do ano passado, quando a campanha presidencial esquentava, o BC interrompeu abruptamente um processo de alta de juros que havia sido anunciado e antecipado pelos documentos do próprio Banco.
Na ocasião, o então presidente do BC, Henrique Meirelles, alinhou uma série de dados para sustentar a tese de que a economia brasileira já estava em forte desaceleração e que isso logo levaria à queda da inflação ? sem a necessidade de mais altas na taxa básica de juros.
Nasceu daí um bom debate. Poucos, pelo menos em público, levantaram a hipótese de que a atitude do BC havia sido eleitoral ? não elevar a taxa básica num momento em que o candidato da oposição, José Serra, tinha no ataque aos juros um dos motes de sua campanha. Dado o excelente retrospecto de Meirelles, a maioria dos analistas procurou o debate técnico.
(Abertura: este colunista levantou a hipótese eleitoral em dois artigos, aqui neste espaço, nos dias 26 de julho e 2 de agosto. Podem ser lidos em www.sardenberg.com.br, item Política Econômica).
Algumas consultorias e departamentos econômicos de bancos alinharam-se inteiramente com o BC. Uma dela escreveu em 10/08/10: ?Qualquer que seja a decisão do Copom em 1º de setembro/10 ? derradeiro aumento da Selic ou nada ?, avaliamos que a chance de a conjuntura vir a demandar outra rodada de ajuste significativo na política monetária em 2011 claramente não prepondera… os efeitos defasados do aperto monetário o efeito contracionista, na margem, da política fiscal e o reajuste real baixo que se prevê para o salário mínimo em 2011 ? sugerem ser reduzido o risco de a atividade econômica vir a se reaquecer a ponto de colocar em risco o controle da inflação?.
Naquela reunião de 1º. de setembro, o Copom aumentou os juros em meio ponto percentual, para 10,75% ao ano, e indicou que o ciclo de alta estava encerrado. Até julho, se acreditava, no próprio BC, que a taxa precisaria subir a 12% para conter o surto inflacionário.
O que aconteceu? A economia brasileira de fato estava desacelerando, mas um caminhão de outros fatores indicava que o aquecimento do consumo continuava forte ? como a farra de gastos do governo e de concessão de crédito via bancos públicos ? e que a inflação se espalhava, não sendo ?apenas? uma circunstância ocasional dos preços exagerados de alimentos.
Ou seja, a visão do BC e de seus aliados, pós-junho, estava equivocada. Era torcida. Estava certa a visão vigente anteriormente, que alertava para o grave descompasso entre consumo, maior, e produção, menor. A inflação fechou 2010 na casa, elevada, dos 6%, continua rodando nesse ritmo e, só pelo embalo, deve subir ainda mais, podendo ultrapassar o teto da margem de tolerância, que é de 6,5% (a meta central é de 4,5%).
Em dezembro, esse mesmo BC, diante da inflação escancaradamente em alta e disseminada, disse que os juros precisariam subir de novo ? o que começou a ser feito na primeira reunião do Copom da era Dilma, em janeiro último.
Depois de duas altas, a taxa básica está em 11,75%. E a situação se repete. No mercado, o consenso indica que essa taxa deveria subir para 12,5%, de modo a trazer a inflação para perto da meta só em 2012. E isso se o governo de fato contiver os seus gastos e reduzir os repasses a bancos oficiais, especialmente o BNDES. Ou seja, um cenário com muitas dúvidas.
Pois o que diz agora o BC? Que de fato a inflação vai ficar alta na maior parte deste ano, na casa dos 6%, mas que começa a cair no último trimestre, segue caindo em 2012, chegando na meta (os 4,5%, anualizados), só no finalzinho desse próximo ano. Isso sem precisar do aperto maior nos juros e confiando que o corte de gastos já anunciado e o ajuste comedido do salário mínimo são suficientes para barrar a ?farra fiscal?.
Não é mesmo uma argumentação parecida com a de julho passado? É bem otimista por isso. Acredita que o melhor vai acontecer assim, na manha. Mas hoje, é maior a possibilidade de que o governo não cumpra a meta de corte de gastos e que continue estimulando os empréstimos dos bancos públicos. E já está contratado um aumento de 14% para o mínimo em janeiro do ano que vem.
Tudo considerado, o BC está nos dizendo que podemos conviver com dois anos seguidos de inflação a 6% (ou mais) e isso numa economia ainda com muita indexação formal e informal.
Está prevalecendo a tese Mantega: um pouco de inflação não faz mal vamos crescer que tudo se ajeita no final. Como em julho do ano passado. E se você é assalariado, anote: qualquer reajuste menor que 6% é perda de dinheiro, inclusive na tabela do IR.

Publicado em O Estado de S.Paulo, segunda-feira, 14 de março de 2011

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