Pior, mas não é para chorar

. A ECONOMIA PERDE FÔLEGO  2205 será pior quw 2004, mas não é para chorar        
A sensação geral para 2005 é a seguinte: a inflação será maior que o esperado no início do ano e o crescimento, menor. Tem lógica: preços altos retiram poder de compra dos salários e derrubam o consumo das famílias, que representa mais da metade do Produto Interno Bruto. Além disso, ao recrudescimento da pressão inflacionária correspondem taxas de juros mais elevadas, conforme a política do Banco Central. E financiamento mais caro também significa menos consumo e menos investimentos internos.     
Caberia nesse quadro uma outra impressão: o real valorizado deveria prejudicar as exportações, reduzindo um dos principais fatores recentes de expansão da economia brasileira, a produção para o exterior.     
Não haveria, pois, como escapar à desaceleração da atividade econômica. E esse é, de fato, o cenário básico que se encontra no Relatório de Mercado, documento do Banco Central que resume as previsões de instituições financeiras, consultorias e institutos econômicos.     
Em alta há nove semanas, a expectativa de inflação alcançou 6,3% no início de maio, medida pelo IPCA, índice do IBGE que é referência do BC, cuja meta, aliás, é de 5,1%. Mas há analistas de ponta já dizendo que a inflação se aproximará dos 7%, apenas um pouquinho abaixo do verificado no ano passado (7,6%). A expectativa de expansão do PIB, também em queda, agora é de 3,64% – uma forte desaceleração em relação aos 5,2% do ano passado. E já se encontram na praça previsões mais pessimistas, de crescimento de apenas 3% para este ano.     
O quadro, entretanto, está longe de uma definição. Há muitas dúvidas no ar ou ?dessintonias?, como diz a última ata do Banco Central.     
Começa com o setor externo. Em abril, as exportações cresceram nada menos que 40% sobre o mesmo mês de 2004. É possível ter uma forte produção externa e baixo consumo interno, mas as importações também continuam crescendo,  15% em abril. Não chega a ser o vigor das exportações, mas também não é indicador de país em retração.     
Há aqui uma curiosa contradição. O dólar está em queda, observa-se, porque há uma forte entrada de divisas. São investimentos externos que vêm aproveitar as taxas de juros mais altas do mundo, mas também entra uma enxurrada de dólares das exportações ? US$ 12,2 bilhões de superávit no primeiro quadrimestre ? vendas essas que deveriam estar em queda pela valorização do real. Eis aí: o dólar está em queda por causa de exportações exuberantes, mas essas vendas não poderiam ser exuberantes com o dólar tão desvalorizado.     
A situação é tão surpreendente que há dez semanas seguidas os analistas revisam para cima as projeções de saldo na balança comercial. Já alcançaram US$ 34 bilhões, mais do que o recorde do ano passado. Explicações? Três são as mais freqüentes: 1) o mundo continua em crescimento e, pois, comprando; 2) os preços de alguns dos principais produtos brasileiros estão em alta; 3) vários setores da economia brasileira ganharam competitividade e dependem cada vez menos de um câmbio desvalorizado.     
Tudo considerado, as vendas externas continuam sendo um fator de expansão, efeito claramente visível na economia paulista. Mas é evidente que, em algum momento, a moeda valorizada, que já prejudica alguns setores, vai atrapalhar todos. Quando? Só olhando a bola de cristal.     
Aqui dentro, todos os indicadores normalmente considerados para se avaliar a atividade econômica mostram desaceleração. Mais exatamente, mostram que a economia segue em expansão, porém em ritmo menos intenso do que o verificado no ano passado, particularmente em meados de 2004, o auge da recuperação. Ou ainda, está tudo mais devagar, mas em um nível superior ao do ano passado.     
O desemprego, por exemplo, medido pelo IBGE, subiu para 10,8% em março último, mas está dois pontos abaixo do verificado no mesmo mês do ano passado. O nível médio de utilização da capacidade instalada na indústria, com ajuste sazonal, está em queda tanto na medida da FGV quanto da Confederação Nacional da Indústria. Mas o número de abril, da FGV, é o maior para esta época do ano desde 1995.     
A produção industrial medida pelo IBGE, com ajuste sazonal, caiu nos primeiros meses do ano. As vendas no comércio varejista, depois de forte expansão até dezembro, registraram acomodação no começo deste ano e queda em fevereiro, conforme dados do IBGE dessazonalizados  pelo BC.     
Considerando os indicadores que olham para a frente, como a disposição do consumidor e dos empresários, também há desaceleração. Os diversos institutos mostram queda da confiança, sinal antecedente de menos consumo e menos investimentos.     
Assim, como qualificar 2005? Certamente será pior que 2004, mas melhor que 2003 e 2002. Quão melhor e quão pior, ainda depende de um exame melhor das dessintonias.     
Como nota o BC em sua última ata, depois de meses de alta de juros, deveriam estar em queda a produção e o consumo dos bens duráveis, justamente aqueles cujo comércio depende do crediário. Considerando, por outro lado, que o desemprego aumentou pouco e que a renda do trabalhador está em recuperação, deveria cair menos o consumo dos bens semi e não duráveis, roupa e alimentação.     
É o contrário que está acontecendo. Em fevereiro, no varejo, só eletrônicos e móveis tiveram desempenho positivo ? menor que em meses anteriores, mas ainda no azul. Tudo o demais caiu.     
Novas modalidades de crédito, como o consignado, para assalariados e aposentados, explicam parte da história. Outra parte, porém, depende de ?mais observações?, admite o relatório do BC.     
É sempre assim quando as economias mudam de um ciclo para outro. Depois de dois anos muito ruins, o Brasil deu uma virada forte em 2004, inicialmente também não inteiramente percebida. Em meados do ano passado, por exemplo, quando o ritmo da economia já era muito acelerado, como os indicadores depois mostrariam, pouquíssimos analistas previam um crescimento do PIB superior aos 5%.     
No momento, parece haver outra mudança de ciclo, para uma acomodação, o que faz todo sentido. Os juros estão muito elevados, os impostos idem e o governo gasta mais em custeio, pessoal, aposentadorias e juros do que nas necessárias obras de infraestrutura. Os investimentos do setor privado, ainda sufocado por um ambiente hostil aos negócios, são insuficientes.     
É verdade que o mundo lá fora continua ajudando, mas as condições internas básicas não permitem um movimento de crescimento forte e duradouro. A forte expansão de 2004 tem muito de recuperação, de sair do buraco. Alçar vôo é mais complicado.     
Não quer dizer que o país tem como destino voltar ao buraco. Mas o fato é que a agenda do crescimento duradouro ? sobretudo no nível microeconômico ? empacou depois de algum avanço. Com o que temos, dá para crescer de 3% a 4%, um pouco mais em anos que combinem bons momentos aqui e lá fora. Revista Exame, edição 842, data de capa 11 de maio de 2005

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