SOBRE CPMF E ARAPONGAS

. De ponta cabeça Nove entre cada dez brasileiros economicamente ativos não gostam da CPMF. Com razão. Trata-se de imposto ruim, que eleva o custo dos negócios, distorce o mercado financeiro, aumenta juros etc. etc. Entretanto, deu o maior baixo astral nos meios econômicos na semana passada com o fracasso na votação da CPMF na Câmara dos Deputados. A CPMF não está morta, mas certamente deixará de ser cobrada por alguns meses – e a cada semana sem CPMF, o governo federal deixa de arrecadar R$ 400 milhões. Vale dizer, a cada semana, pessoas e empresas manterão em suas contas aquele dinheiro que iria para a Receita Federal. Por que não comemoramos? Primeiro, porque o governo ameaça tomar de volta aqueles 400 milhões com impostos ainda piores, como o Imposto sobre Operações Financeiras, que encarece, por exemplo, o carnê de financiamento da televisão nova para a Copa. E se ainda assim não conseguir tapar o buraco da CPMF, o governo ou suspende gastos importantes (um viaduto, um hospital, uma rede esgotos) ou continua gastando e compromete o equilíbrio das contas públicas – coisa que, de novo, leva ao aumento de juros. Eis aí, as pessoas de algum bom senso se lamentando com o atraso na CPMF. Já aquelas pessoas que, digamos, precisam fazer algumas transações financeiras sem que a Receita Federal saiba, essas terão uma janela de dois a três meses para isso. Sem teorias conspiratórias, bem entendido. Não quer dizer que esse é o propósito secreto do atraso na votação da CPMF. É apenas um resultado, entre outros, das confusões que têm surgido depois que o PFL resolveu partir para a briga. Outro resultado, por exemplo, pode ser o alívio fiscal para médicos, advogados, arquitetos, artistas, consultores em geral e também jornalistas, que constituem pessoas jurídicas prestadoras de serviços. Assim, pagam menos imposto de renda do que pagariam se fizessem contratos na física ou na carteira assinada via CLT. Pois bem, o governo mandou ao Congresso uma medida provisória que aumenta o imposto daquelas empresas, para compensar a perda de arrecadação com o reajuste da tabela do IR da pessoa física. O PFL está ameaçando bloquear essa medida – e aqui a classe média, mais exatamente, a elite da classe média vai comemorar. Mas, de novo, o governo ficará diante da opção de reduzir gastos ou aumentar outros impostos para compensar a perda de receita. Não ficaria mal uma redução de gastos. O diabo é escolher o gasto a cortar. Logo o viaduto do meu bairro? Talvez, já que é briga, o governo pudesse cortar aqueles gastos que interessam a parlamentares e governadores do PFL. Seria uma vingança, mas também uma injustiça com as populações que seriam beneficiadas com as obras e serviços. Afinal, uma estrada é uma estrada, quer seja prevista numa emenda de deputado do PFL ou do PSDB. Já viram, o governo vai acabar aumentando outros impostos. No final dessa confusão toda, a carga tributária bem poderá ser a mesma, mas com algumas pessoas pagando mais no carnê de financiamento, outras menos na pessoa jurídica. Arapongas eficientes? E por falar em campanha eleitoral. O PFL, o senador José Sarney, boa parte da imprensa e grande parte da população estão convencidos de que o governo FHC e a turma de José Serra armaram a arapuca para flagrar os mais de um milhão e 300 mil reais no escritório da empresa da governadora Roseana Sarney. Será? Deixe de lado os argumentos éticos e políticos. Pense na eficiência do setor público. Que os arapongas oficiais e semi-oficiais façam escuta telefônica, não há dúvidas. Já que eles sejam capazes de manter a escuta 24 horas por dia, nos telefones fixos e celulares certos, sem nunca faltar gravador ou fita ou funcionário para escutar e decifrar as conversas, já é mais difícil. Que consigam descobrir, no meio de toda aquela conversa escutada, que Jorge Murad está arrecadando dinheiro para a campanha e que vai guardá-lo na sede da empresa, já é bem mais difícil. Note-se. Murad certamente não deve ter dito ao telefone, com voz clara e pausada: a-ma-nhã-eu-vou-dei-xar-um-milhão-e-tre-zen-tos-no-cofre-de-ci-ma-ok? Mas digamos que Murad deu com a língua nos dentes, um bom araponga sacou tudo e avisou a chefia a tempo. Aí a máquina mobilizou alguns procuradores, para que pedissem o mandado de busca e apreensão a uma juíza do Tocantins. Estava todo mundo lá no serviço, ninguém reclamou nada, o mandado saiu na hora e a Polícia Federal já estava pronta, com aviões e carros, para ir ao Maranhão. Como se diz por aí: é possível, mas é muito difícil. Na verdade, quem teve um mínimo de contato com o setor público sabe que essa complexa operação não teria a menor chance de dar certo. Anote: toda vez que existir a alternativa entre uma jogada magistral do governo ou um baita acaso, é 95% de chance de ser acaso. Depois, eles vão tentar explorar o caso politicamente – e provavelmente farão a coisa errada, dando a cara para bater. A população percebeu isso neste caso. No último Ibope, 77% disseram que a investigação no Maranhão ocorreu por motivos políticos. Mas 52% acham que a operação foi um procedimento normal – a sequência simples das investigações da Sudam. Ou seja, a maioria acha que foi normal, mas essa maioria e mais um tanto acham que teve política no meio. Resumo: o pessoal deu a maior sorte de achar aqueles milhão e 300 mil reais. Fotografar e distribuir, claro, não foi sorte. Publicado em O Estado de S.Paulo, 25/03/02

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