OS DILEMAS DO PT PARA IR AO CENTRO

. A segunda proposta Buarque   O período que antecedeu as eleições de 1998 foi terrivelmente crítico. O ambiente era de crise internacional, iniciada em 1997 com a queda dos Tigres Asiáticos, agravada com a quebra de um grande fundo de investimento especulativo nos Estados Unidos, isso levando os bancos internacionais a elevarem os juros e negarem crédito mesmo para empresas boas, e levada ao limite com a moratória russa. O Brasil era apontado em toda parte como o próximo dominó a cair, profecia que iria se realizar em janeiro de 1999. Mas a expectativa em relação a isso causou estragos fortes desde meados de 98. Sobretudo porque o ambiente externo negativo era exacerbado por uma circunstância interna: os fundamentos da economia brasileira estavam em xeque.   A política de cotação quase fixa para o dólar fixa exigia juros nas alturas de modo a atrair recursos externos. Com uma inflação que andava perto de zero, a taxa básica de juros começou 1998 perto dos 40% ao ano, caiu para 19% ao longo do primeiro semestre, voltou a subir com a escalada da crise internacional e passou dos 40% em setembro, véspera das eleições. Além disso, mais importante, as contas públicas eram um desastre. Não havia superávit primário, mas déficit (isto é, o governo gastava mais do que arrecadava das despesas correntes, não financeiras, de modo que tinha de tomar emprestado para pagar as contas do mês e mais outro tanto para cobrir juros). Não havia Lei de Responsabilidade Fiscal, os contratos entre União e Estados para controle das dívidas estaduais não estavam concluídos. A reformas previdenciária e administrativa estavam atrasadíssimas. Não havia regime de metas de inflação. Nesse cenário, a instabilidade normal de períodos eleitorais foi ao limite. E o presidente Fernando Henrique Cardoso se reelegeu com folga no primeiro turno. Por que o país não foi para a oposição, se a situação era tão ruim? Várias respostas convergentes têm sido sugeridas ao longo destes anos. Eis algumas boas hipóteses: a população entendeu que a crise era basicamente externa, vinha mais de fora, de modo que a responsabilidade não cabia a FHC ou pelo menos não cabia inteiramente a ele; ou, os eleitores também entenderam que FHC, estadista reconhecido, era o nome mais adequado para conduzir o país naquele momento difícil; ou, inversamente, Luis Inácio Lula da Silva, durante sua campanha, não ganhou a confiança da população, nem conseguiu convencê-la a tentar um outro caminho. Durante a campanha, o então governador de Brasília, Cristovam Buarque, surpreendeu seus companheiros de PT com esta proposta: Lula deveria declarar que, eleito, manteria em seu governo, por um certo tempo, o ministro da Fazenda, então Pedro Malan, como hoje, e o presidente do Banco Central, então Gustavo Franco. O objetivo, dizia Buarque, era acalmar os meios econômicos, nacionais e internacionais, de modo a jogar um balde de água fria nos ânimos quentes daquele momento pré-eleitoral. A coisa funcionando, isso colocaria a campanha em um ambiente de normalidade ou pelo menos não tão exacerbado como estava. E ajudaria Lula, certamente, que passaria uma imagem de moderado e líder responsável, e não de alguém que está esperando o circo pegar fogo para assumir as cinzas. Cristovam Buarque foi arrasado pelos companheiros do PT. Como manter autoridades de uma política econômica neoliberal, entreguista, etc. etc? – disseram líderes petistas que acreditavam numa vitória da ruptura. Hoje, Cristovam Buarque, que por sinal perdeu a reeleição em 1998, já não propõe que Lula defenda a manutenção do ministro e do presidente do BC. Diz que Malan, depois desses oito anos, já está desgastado e, mesmo, cansado. Faz sentido. Mas não faz sentido no caso do atual presidente do BC, Armínio Fraga, cuja gestão recebe aplausos entusiasmados no Brasil e no exterior. Sua manutenção no BC seria certamente um fator de estabilização. De todo modo, Buarque entende que não dá. Mas ele pode ter coisa melhor. Neste ano, está propondo que os todos os principais candidatos assinem o que chama de uma “doutrina nacional”, um programa de estabilidade, baseada nos seguintes itens: independência do BC; respeito incondicional a todos os contratos e acordos; a garantia de que nada se fará de modo precipitado e que tudo se fará via Congresso Nacional; e colocar a criança como objetivo prioritário de todos os programas. Com certeza, teria um efeito sensacional sobre a campanha. A doutrina Buarque ataca todos os temores: a independência do BC garante a defesa da moeda e da estabilidade; o respeito aos contratos e acordos elimina qualquer possibilidade de calote, por exemplo, ou de reversão de privatizações; a via Congresso assegura o caminho da negociação que é, por si, um fator de moderação; a prioridade à criança é o fator social que faz justiça à longa luta de Cristovam Buarque pela bolsa-escola. Eis aí, uma proposta isenta, pela estabilidade. Será assinada? Publicado em O Estado de S.Paulo, 20/05/2002

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