QUEM FAZ O PREÇO DA GASOLINA ?

. O precinho do cartel e o preção do governo
O governo se assustou com a alta da gasolina e do álcool, botou a culpa em usineiros, distribuidores e donos de postos, ameaçou tabelar preços ou margens de lucro, alardeou que poderia fechar postos por cinco anos e terminou promovendo uma pequena redução de … impostos!
Foi uma confissão. E assim toda essa confusão serviu ao menos para isso: mostrar que a maior parte do problema vem justamente do governo, do federal e dos estaduais.
De janeiro do ano passado até aqui, o preço da gasolina vendida nas refinarias da Petrobrás mais do que dobrou. O ICMS, imposto estadual, não dobrou, mas chegou perto. Já PIS e Cofins, contribuições federais, subiram quase 200%. Enquanto isso, a margem dos revendedores (distribuidoras e postos) caiu ao longo de muitos meses, recuperou-se fortemente em julho e recuou um pouco em agosto, mas ficando mais ou menos igual à do início de 1999.
Não é de estranhar. Todos se lembram: toda vez que o governo anunciava aumento do preço na refinaria, os técnicos sempre explicavam que a alta para o consumidor seria menor porque distribuidoras e postos não conseguiriam repassar todo o aumento de custo, dada a concorrência no setor.
Foi o que aconteceu, com reajustes na bomba sempre abaixo do reajuste na refinarias. Ou seja, os postos se viraram de várias maneiras: reduzindo margem, buscando eficiência e, parte deles, colocando água na gasolina e sonegando impostos.
Em julho último, provavelmente aproveitando a alta do preço do álcool (por causa da quebra da safra de cana), em um ambiente de inflação ascendente, os postos tentaram recuperar margens. É certo que muitos combinaram preços. Mas isso foi apenas a gota d?água, um tantinho a mais num preço já pressionado.
Ou seja, vigiar cartel, garantir concorrência, isso ajuda e não é mais que a obrigação do governo. Mas diminuir preço, só com redução de impostos ou do preço na refinaria da Petrobrás.
Diz a Agência Nacional de Petróleo que a margem de lucro não está propriamente tabelada, mas que há um certo compromisso do setor em manter essa margem em 20 centavos por litro de gasolina, sendo 15 para o posto e 5 para a distribuidora. Isso dá apenas 13% de R$ 1,50, que muitas autoridades consideram um preço razoável.
Mesmo que o posto coloque mais 10 centavos de margem, levando o preço para 1,60, isso seria apenas 6% acima do razoável e a margem ficaria em 18%. Ainda assim, o governo é responsável por mais de 80% do preço final.
Aí estão incluídos os impostos e o preço da refinaria, já que este é tabelado. Deve-se considerar ainda que a estatal Petrobrás produz quase todo o combustível consumido no país. E por falar nisso, a Petrobrás importa apenas 35% do óleo que utiliza. O petróleo extraído aqui sai a menos de 10 dólares o barril, mas na hora de calcular o preço interno da gasolina o governo considera que todo o óleo saiu a preço internacional, hoje na casa dos 30 dólares.
O sistema foi estabelecido como uma preparação para a total abertura do mercado ? um ambiente em que qualquer empresa poderia importar combustível. Assim, não se podia impor à Petrobrás preços abaixo do mercado internacional, porque isso reduziria sua competitividade.
Mas acontece a abertura foi sendo adiada, estando hoje prevista para o fim de 2001, ainda uma data duvidosa. De maneira que Petrobrás caiu no melhor dos mundos: preço internacional em mercado fechado e tabelado.
Por que o governo teria deixado assim? Simples: por dinheiro. O governo federal faz caixa com a gasolina. Primeiro com uma coisa chamada Parcela de Preço Específica, que legalmente não é imposto mas vai para o caixa do Tesouro. Depois, o governo ganha também com os lucros da Petrobrás, já que é o acionista controlador da estatal.
Os governos estaduais também foram com voracidade às bombas da gasolina. Como fica muito difícil cobrar ICMS de cada posto ? são 30 mil ? os governos resolveram cobrar na refinaria. A Petrobrás embute o ICMS no preço e depois repassa aos Estados.
O ICMS incide sobre a diferença entre o preço na refinaria e o preço final na bomba. Ora, este mercado é livre, cada posto cobra quanto quer e quanto pode. Como, então, os Estados vão calcular o ICMS se não sabem quanto será o preço final?
Presume-se. Isso mesmo, a base de cálculo é a margem de lucro presumido. Aí o pulo do gato: as secretarias estaduais de Fazenda estipularam margens impraticáveis. Em São Paulo, por exemplo, considera-se o preço da gasolina comum a R$ 1,57.
Só em cidades do interior com postos cartelizados se alcança a esse preço. Na região metropolitana, os preços raramente passam de 1,50, havendo muitos postos, aqueles sem bandeira, cobrando na faixa de 1,40. Só nos bairros mais ricos o preço se aproxima do nível oficial da Fazenda.
Tanto é verdade que há uma enxurrada de ações nas quais postos cobram a diferença da Secretaria da Fazenda ? e estão ganhando.
Tudo considerado, quando achou que precisava evitar nova alta da gasolina, o governo federal abriu mão de uma parcela de sua Parcela e os Estados passaram a presumir menos, com o que se reduziu o ICMS.
A lição principal desse episódio é que a política para o setor foi sendo feita nas coxas, atendendo necessidades do momento. E como a inflação esteve muita baixa do fim do ano passado para cá, os governos aproveitaram para aumentar os preços de combustíveis.
O susto, afinal, ocorreu quando coincidiram reajustes de tarifas, de combustíveis e o baita frio que derrubou colheitas e elevou preços de alimentos.
Tudo considerado, o melhor que se pode esperar é uma estabilização de preços. É evidente que num país como o Brasil, com 30 mil postos, não há tabelamento possível. Se o governo quiser obrigar os postos a trabalhar com prejuízo ou mesmo com margens muito estreitas – e aí a bagunça será geral, com mercado negro e tudo o mais.
Como tem gente no governo que sabe disso, o preço só cai se os impostos forem reduzidos. Também não vai acontecer porque, afinal, o ajuste fiscal continua sendo necessário.
Portanto, vai ficar assim: o preço pára de subir no curto prazo. Depois, quando as coisas se acalmarem, quando passarem as eleições e a inflação voltando a zero, pode apostar que eles ficarão de novo tentados a novos aumentos. Na refinaria, é claro, explicando-se que na bomba etc. etc.
(Publicado em O Estado de S.Paulo, 21/08/2000)

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