CONTRADIÇÕES DE LULA DIANTE DA CRISE

. No córner
     Eis um exemplo das contradições em que está se metendo o presidente Lula: . o novo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ex-presidente da CUT, assumiu reclamando um aumento substancial para o salário mínimo, hoje em 300 reais;  . a área econômica do governo está fechando o orçamento de 2006 com um mínimo de 320 reais e uns quebrados, alta de quase 7%, ganho real de apenas dois pontos sobre a inflação prevista, isso considerado o máximo possível diante do crescente déficit da Previdência; . para Marinho e todas as lideranças sindicais e de movimentos sociais, 320 reais é uma mixaria;  . empresários levaram uma agenda mínima ao presidente Lula, prevendo, entre outras coisas, redução do déficit da Previdência. Nenhuma conta fecha. Tampouco a estratégia. Se quiser atender os movimentos sindicais e sociais, para os quais tem falado nas últimas semanas, Lula não poderá chegar com um mínimo de 320 reais. Não esquecer que o próximo é um ano de eleições, nas quais o presidente acredita que as elites terão de engoli-lo mais uma vez. Mas se apresentar um aumento generoso para o mínimo, que detona o déficit da Previdência, Lula estará dando o sinal de que abandonou a meta de ajuste das contas públicas, um dos pilares da política econômica. Perderia com isso a confiança dos investidores, com as conseqüências já vistas em 2002/03. A principal é a disparada do dólar e do risco Brasil, com as conseqüentes escaladas da inflação e dos juros e queda dos investimentos. Um péssimo ambiente para se enfrentar a eleição. Outro exemplo de contradição: sindicalistas e lideranças sociais, reunidos com Lula no Piauí, na última quinta, reclamaram dos juros e da equipe econômica. A resposta de Lula, segundo o relato dos participantes, é a contradição viva. O presidente disse que também ele reclama dos juros, contou que tem ?embates? com o ministro Antonio Palocci e sua equipe ?dura? e assegurou que os juros vão cair, mas não da noite para o dia. Sabe como é, tem o mercado, isso leva tempo. Sentindo-se vítima das elites, Lula apela à sua origem política, os movimentos sindicais e sociais organizados, esperando, através deles, chegar ao povão ou classes C, D e E, na linguagem dos marqueteiros. O povão, mostra a história, quer emprego, renda e comida barata. Portanto, crescimento sem inflação, algo que a atual política econômica, uma construção que vem desde 1994, pode vir a conquistar. Mas as lideranças sindicais e sociais, influenciadas pelo antigo pensamento de esquerda, acreditam que a solução para tudo está no orçamento público ? simplesmente no aumento dos gastos do governo e na ampliação de seu controle sobre as atividades econômicas. A história, especialmente da América Latina, também mostra que esse tipo de política, populista, pode dar algum surto de crescimento imediato, terminando com inflação, estagnação e crise da dívida pública. Lula sabe ou desconfia disso ou acredita quando Palocci explica. Tanto é que, em meio aos discursos populistas, de vez em quando encaixa um pronunciamento para dizer que não fará mágicas nem loucuras na economia, que o rumo será mantido. E todo mundo acredita nisso nos meios econômicos, entre investidores nacionais e internacionais. Eis um ponto interessante. Lula pode chorar, se comparar a Getúlio, esculhambar as elites, cantar vitória para 2006 (?vão ter de me engolir de novo?), prometer juro baixo e mínimo alto, se declarar injustiçado, fingir que não tem crise política ou que a crise é só eleitoral, pode dizer muito mais que o pessoal do mercado e dos meios econômicos não está nem aí. O pessoal acha que tudo isso é só marketing. E acredita piamente que a posição de Palocci não está ameaçada, que, portanto, a política econômica não muda e, ao contrário, será reforçada. Os dados recentes são bons. Inflação em queda, comércio externo com superávit recorde, aceleração no crescimento da produção industrial , superávit primário elevado nas contas públicas, perspectiva de queda dos juros. Lula vai querer mexer nisso? ? é a pergunta, com óbvia resposta não, nos meios econômicos e no mercado financeiro. Segue a vida, com os estrangeiros continuando a trazer dólares, bolsa em alta, real valorizado. E aí, tudo bem? Difícil. Lula faz discursos diários, mas não é razoável imaginar que ele consiga levar o povão só no gogó por muito tempo. Algo ele terá que entregar às lideranças sindicais e sociais, especialmente se a crise política se ampliar, como tem acontecido semana a semana. Lideranças empresariais ? as elites! ? entregaram a Lula a agenda mínima, que mais parece máxima. São mais de 20 itens, reunindo projetos de lei em andamento no Congresso e programas de governo. (A propósito, mais uma contradição: se líderes à esquerda pedem mais gasto público, os empresários querem mais superávit primário e menos despesas). A agenda resume providências, sem dúvida importantes para o ambiente econômico, que pararam por falta de entendimento político (dentro da base governista e na relação governo/oposição) e/ou por ineficiência da administração federal. Ora, como haveriam de andar agora, com a crise exposta no Congresso e com ministros, fracos, na média, que todo dia têm de lidar com notícias de saque de dinheiro e ações suspeitas? Por outro lado  é verdade que os indicadores econômicos são bons, sobretudo dado o tamanho da crise. Mas são claramente ruins quando comparados com o que acontece no mundo. Há uma forte expansão na economia mundial, o que puxa o comércio, tudo com muita liquidez, ou seja, dinheiro sobrando em busca de investimentos rentáveis. Lula alardeia que seu governo retomou o crescimento, mas, gente,  quase todo mundo vai bem. Entre os países emergentes importantes, a maioria vai bem melhor que o Brasil, cujo crescimento está até abaixo da média da América Latina. Claro que o governo Lula teve o mérito ? com o santo Palocci ? de aproveitar a boa onda internacional com uma política econômica consistente. É claro, entretanto, que o país poderia estar bem melhor, não fossem a ineficiência política e administrativa do governo e a atual crise. Temos, portanto, uma combinação de bons resultados e oportunidades perdidas. O que prevalecerá daqui em diante? Depende do andamento da crise e de como será administrada pelo presidente Lula. Se a máquina de corrupção da dupla Valério/Delúbio chegar perto de Lula, sai de baixo ? o pessoal vai comprar dólares e vender ações. Se o presidente permanecer blindado, mas sem conseguir dominar a crise, o país segue mais ou menos como está hoje: no embalo da economia, com o crescimento agora um pouco mais forte do que no início deste ano, ainda modesto, mas sem inflação e com desemprego em ligeira queda – o que é boa notícia para o presidente. Ele vai tentar se virar com isso. Por isso, não pode mexer na política econômica, o que significa que não poderá atender pedidos dos sindicatos e dos movimentos sociais, como um salário mínimo de arrebentar. Vai tentar se virar no discurso.     
E a diplomacia, hein?     
Nem o Uruguai do companheiro presidente Tabare Vasquez, amigão de Lula, votou em João Sayad, para presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Votou no candidato dos americanos.     
 A diplomacia altiva e independente do governo Lula, aquela de ?olhar na cara dos poderosos?, perde todas. Não consegue liderar nem o Uruguai e Paraguai. O fracasso só não é mais visível por causa da crise política. Publicado em O Estado de S.Paulo, 08/agosto/ 2005

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