QUANDO OS JUROS DEVEM CAIR

. Alívio à vista Até o começo de de julho, as taxas de jurp devem começar a cair. Homeopaticamente, sem comprometer as bases da política econômica.   É muito forte o argumento favorável à redução dos juros e ao alívio na política monetária: a economia está no chão, discute-se se chegou ou não ao fundo do poço. Tecnicamente, o país não está em recessão, mas só há crescimento efetivo no agronegócio e nas atividades ligadas à exportação. Os números recém divulgados pelo IBGE não deixam dúvidas: o Produto Interno Bruto do primeiro trimestre caiu 0,1% em relação ao período imediatamente anterior, o consumo das famílias recuou 0,6% e os investimentos caíram 4,6%. Nesse tipo de ambiente, se fosse para seguir o manual, o Banco Central deveria utilizar o arsenal de estímulo ao crescimento, que inclui juros baixos e liquidez, isto é, mais dinheiro barato à disposição de consumidores e investidores. Mas também pelo manual, quando a economia está no chão e a renda das pessoas em queda, como ocorre no Brasil há três anos, não pode haver inflação. Se as pessoas não estão comprando, como os preços podem subir? E, entretanto, há inflação no país. Em abril, a inflação acumulada em 12 meses, medida pelo IPCA, chegou a 16,7%, sendo que a meta ajustada para este ano é de 8,5%. Além disso, conforme indica a última ata do Comitê de Política Monetária, Copom, houve no início deste ano reajustes de salários e preços com base na inflação passada e muitos setores estão tentando recompor sua margem de lucro mesmo com a demanda em queda. Trata-se de um enorme sinal de alerta. Isso só ocorre quando os agentes econômicos (categoria que inclui de executivos a donas de casa) acham que a inflação é permanente, isto é que os preços vão subir amanhã simplesmente porque subiram ontem. Inércia inflacionária é o nome da coisa. E quando isso ocorre, também diz o manual, é preciso apertar a política monetária (elevar juros) para “matar e esquartejar a inflação”, como disse o ministro da Fazenda Antonio Palocci. Eis porque há um debate barulhento sobre a política econômica. O governo Lula encontra-se diante de um dilema: há argumentos fortes tanto para o alívio quanto para a manutenção do aperto da política monetária. O conjunto dos números do IBGE mostra que ainda há algum crescimento. O PIB do primeiro trimestre deste ano foi 2% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado. Todos os setores cresceram, com destaque para a agropecuária, com 8,6%. A indústria expandiu-se 2,9% e o setor de serviços, 0,8%. Mas a base de comparação é fraca. No início do ano passado, a economia, especialmente a indústria, ainda se encontrava sob o efeito do racionamento de energia. Além disso, os números desagregados mostram um quadro pior. Todo aquele crescimento deve-se ao fortíssimo ajuste do setor externo. As exportações dos primeiros três meses deste ano foram 20% superiores àquelas do início de 2002. E as importações caíram pouco mais de 4%. Só isso representou um crescimento do PIB de 4%. Mas aqui dentro, o consumo das famílias, na mesma base de comparação, caiu 2,3%, os investimentos recuaram 1,5% e os gastos do governo sofreram uma redução de 0,2%. No geral, houve aí uma retração de 1,8%. Ou seja, o crescimento de 2% é que o sobrou do efeito positivo do setor externo, depois de descontada a queda interna. Comparando-se o primeiro trimestre deste ano com o último do ano passado já não há crescimento – mas uma discreta retração de 0,1% – justamente porque o setor externo, partindo de uma base de comparação alta, não pode mais mostrar o mesmo dinamismo. Quando se considera o PIB de doze meses encerrados no primeiro trimestre de 2003, também há crescimento de 2%. Mas o padrão é o mesmo, o agronegócio e o setor exportador puxando. em resumo, bem mesmo está quem trabalha no ramo do agronegócio de exportação. Todos os demais estão reclamando. E de uns tempos para cá, também os exportadores, estão preocupados com a queda do dólar. Acrescente-se a isso os números de desemprego e se entende por que, em evento na Ford, o presidente Luís Inácio Lula da Silva ouviu pedidos de redução de juros igualmente de empresários e líderes sindicais. Ou seja, é forte a pressão que vem da economia real. A pedida é dupla: redução dos juros e alguma ação para conter a queda do dólar. Há exportadores que consideram perigosa qualquer taxa de câmbio abaixo dos R$ 3,20. Mas a inflação continua lá. E aqueles dois pedidos vão na contramão do combate à inflação. A queda do dólar já está derrubando preços no atacado. E reduzir os juros neste momento, indicou a ata do Copom, seria sancionar reajustes de preços e salários com base na inflação passada. Ou seja, sancionar a própria inflação. O último número do IGP-M, da Fundação Getúlio Vargas, mostrou que há deflação nos preços no atacado, mas inflação ainda elevada nos preços ao consumidor, que são os que contam. Esta inflação no varejo, medida pelo IPCA, referência do regime de metas de inflação, alcançou o pico de 3% em novembro do ano passado. De lá para cá, está em queda, mas lentamente. O índice de abril, por exemplo, foi de quase 1%. Também permanecem elevadas as expectativas de inflação, conforme se vê no Boletim Focus no BC, que resume os cenários de mais de uma centena de instituições financeiras e consultorias. Para este ano, a expectativa é de um IPCA ainda acima dos 12% (contra a meta de 8,5%). Pela regra do regime de metas, o BC só pode aliviar a política monetária quando os números e as expectativas convergem para a meta. E não estão convergindo. “Ainda” não estão, sustentam Palocci e o presidente do BC, Henrique Meirelles. Suas declarações e as do próprio Lula manifestam a convicção de que a política econômica está quase chegando lá. Na expressão de Lula, “estamos afinando a orquestra e logo, logo, o espetáculo do crescimento vai começar”. O recado é o seguinte: dentro em breve a inflação dará sinais mais fortes de queda, as expectativas se ajustarão e aí então o BC poderá começar a reduzir os juros de maneira responsável. Quando isso poderá acontecer? Um pré-requisito é que o IPCA comece a marcar menos de 0,5% ao mês. Outro, que a expectativa de mercado se ajuste à meta do BC. Embora não se comprometam com prazos, os condutores da política econômica acham que falta pouco. Um sinal: a expectativa para a inflação dos próximos doze meses, de maio a abril de 2004, já está em torno de 8%. É importante: mostra confiança na capacidade do BC em domar a inflação e trazê-la aos níveis adequados, ainda que em prazo mais longo. Há aqui uma discussão técnica. Com base nessa expectativa para os próximos 12 meses, muitos analistas entendem que já é possível iniciar a redução da taxa básica de juros, hoje em 26,5%. Para esses, a política econômica é correta, o regime de metas está funcionando, sendo a divergência apenas quanto ao momento de iniciar o alívio da política monetária. O problema é que os economistas tendem a ser mais conservadores quando assumem postos no Banco Central, isso em qualquer país. De fora, acham que os juros podem cair, asseguram que não tem problema. No Copom, perdem essa valentia e pensam duas vezes e mais um pouco antes de mexer na taxa. De todo modo, pelo teor desse debate, a queda dos juros básicos está próxima, talvez já em junho, talvez em julho. Esperam-se quedas pequenas, homeopáticas, mantendo-se inteiramente preservadas as bases da política econômica: superávit primário das contas públicas, a redução da relação entre dívida pública e PIB como meta essencial e uma sequência de medidas microeconômicas. Nessa linha, todos estão de acordo com as declarações recentes de Palocci, que tem se queixado do que considera atraso de certo debate econômico no país. Para ele, não faz sentido nos dias de hoje colocar na mesa de discussão a estabilidade (ou seja, a guerra total e prioritária contra a inflação) e o ajuste das contas públicas, com o superávit primário e s reformas, especialmente a da Previdência. Isso deve ser consenso anterior ao debate, este tratando apenas de assuntos microeconômicos, como a lei de falências. No governo Lula, garante Palocci, a estabilidade monetária e o controle das contas públicas são para sempre. O ministro voltou a dizer isso em Lausanne, na Suíça, no último sábado, 31, onde estava acompanhando Lula na reunião do G-8, o grupo dos sete países mais ricos e a Rússia. E disse depois de um longo vôo no qual conversou muito com Lula sobre juros e economia, informou Palocci. Se o ministro deu aquelas garantias depois dessa conversa, pode-se supor que Lula, mais uma vez, endossou a política econômica. Pois há quem queira o desmonte dessa política. No PT, muitos parlamentares e economistas sustentam a tese segundo a qual a política econômica conservadora era necessária para desativar a bomba deixada pelo governo FHC. Consideram que isso está feito, de modo que se pode então iniciar a verdadeira política econômica do PT, sem superávit primário, com mais gasto público. E se tiver “um pouco” e inflação, tudo bem. Tudo na linha dos antigos documentos do PT, como “Um outro Brasil é possível” e “Ruptura Necessária”. O que esse pessoal não entende é que a “herança maldita” que receberam – dólar, risco-Brasil e juros nas alturas – foi consequência da expectativa de que Lula, eleito, aplicaria as políticas previstas naqueles documentos. A herança não era risco FHC, mas risco Lula à antiga. Assim, a bomba se desfez porque Lula não aplicou aquelas políticas, mas a de Palocci e Meirelles. Se surgir no mercado a hipótese de que Palocci pode cair, a bomba volta muito mais explosiva. Publicado na rvista Exame, edição 794, data de capa 11/06/2003

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