. Por que não temos e não teremos boas estradas
Depois de três anos de discussões políticas e problemas técnicos, o governo Lula tenta iniciar hoje, acreditem, um programa de privatização. Vai colocar na internet, para consultas, os editais de concessão a empresas privadas de sete lotes de rodovias federais, incluindo as importantes Fernão Dias e Régis Bittencourt. Se tudo correr conforme o cronograma do governo, os leilões serão realizados em maio, contratos assinados em julho, com cobrança de pedágio a partir de janeiro de 2007. Se a coisa seguir o padrão que manteve até aqui, não sai nada neste ano.
Trata-se aqui de uma história exemplar. No mau sentido, claro. A situação hoje é a seguinte: as chamadas estradas pedagiadas, aquelas entregues à iniciativa privada, são, disparado, as melhores do país. Não verdade, são as únicas rodovias em condições de uso em circunstâncias normais. As demais, sob administração do poder público, federais, estaduais ou municipais, são um desastre, com as exceções de praxe. As federais são as piores.
Entretanto, o último leilão de estrada federal ocorreu em 1996, ainda no governo FHC. Pergunta óbvia: por que se interrompeu um processo que produziu boas estradas?
Houve, é certo, uma série de problemas com tribunais de contas e ministério público, mas por trás de tudo está uma mistura de bronca ingênua contra o pedágio e ideologia antiprivatização.
Ninguém gosta de pagar pedágio. Pesquisas feitas pelas próprias concessionárias mostram que o usuário, mesmo quando elogia a estrada e os inúmeros serviços prestados pela empreiteira, responde que o pedágio continua sendo caro, quando solicitada sua opinião sobre o sistema.
Com o passar do tempo, porém, as pessoas, no mínimo, começam a considerar a realidade de que as estradas pedagiadas (privatizadas) são boas e aquelas públicas, supostamente de graça, são ruins.
Ocorre que não são de graça. A obra, a utilização, o serviço ? tudo isso custa dinheiro e é pago. A diferença é quem paga. No caso da pedagiada, o usuário direto. No caso das públicas ?de graça?, todos os contribuintes, utilizem ou não a estrada.
Mas há aqui um ponto interessante. Argumenta-se que o contribuinte já paga muitos impostos, inclusive alguns direta ou indiretamente ligados às estradas, como a Cide e o IPVA. Portanto, parte do dinheiro que o governo recolhe deveria ser destinado às rodovias, como foi no passado. Além disso, pode-se argumentar, o benefício produzido por boas vias de transporte é universal. Vidas poupadas, o crescimento econômico gerado, eis aí bens comuns.
Trata-se, portanto, em tese, de uma escolha política: ou todos pagam pelas estradas ou o usuário direto paga. Conforme a decisão, monta-se o sistema de financiamento adequado.
Ocorre que no Brasil de hoje, o sistema ?todos pagam e o Estado administra? não tem a menor chance de funcionar. Além do governo, sempre, ser menos eficiente que a gestão privada, o fato é que o dinheiro dos impostos, embora seja muito, já tem muitas outras utilizações. Nada menos que 75% das despesas primárias do setor público (antes, portanto, do pagamento de juros) se destinam a pessoas: funcionários, pensionistas, aposentados, desempregados, idosos, famílias abaixo da linha de pobreza. O que sobra tem de custear todo o funcionamento da máquina e cobrir os investimentos.
Como os gastos com pessoas e com o funcionamento da máquina são obrigatórios ? quem pode atrasar o INSS ou parar hospitais? ? falta dinheiro para a infraestrutura. O recapeamento da estrada, a limpeza do porto, isso, sim, pode ficar para amanhã. Deu nisso, na falência da infraestrutura.
Resultado: se queremos estradas boas, não há nenhuma outra possibilidade a não ser privatizá-las, como se conclui bastando dar uma volta pelo país. E como concluiu o governo Lula. Mas tardiamente.
O PT esteve na linha de frente do movimento antiprivatização. Combateu tenazmente o programa de concessões de rodovias do governo FHC. Quando assumiu, o governo Lula cancelou o programa, prometendo colocar no lugar outro modelo de gestão para o setor. Aí, passam-se três anos e o que nos oferece? Uma operação tapa-buracos de emergência e um programa de privatização como aquele que foi interrompido há quase dez anos.
Diz o governo que o programa atual é melhor, porque os leilões produzirão tarifas de 10% a 15% menores. Mas todo esse tempo para isso? Houve, é claro, as tradicionais dificuldades com tribunais de contas, mas o que demorou mesmo foi chegar á conclusão política que era preciso conceder e privatizar.
Mas não é seguro que esse convencimento esteja assentado. Em diversos estados, grupos locais ligados ao PT e a partidos aliados de Lula já andaram se manifestando contra o pedágio. Há estados em que certas estradas são tema de campanha ? e objetos de promessas eleitorais ? há muito tempo. Lula, mesmo, candidato, comprometeu-se com algumas. Mas com pedágio não, reclamam os companheiros.
Juntem-se então as já conhecidas dificuldades de licitações no país com as restrições políticas remanescentes e sabe quando teremos novas boas estradas?
Façam suas apostas. Quanto vale?
O salário mínimo no Brasil é muito ou é pouco? Uma boa medida sempre se faz em relação a algum padrão, de modo que eis uma comparação interessante: a R$ 350,00, o mínimo dá pouco mais de 155 dólares, com a moeda americana a R$ 2,25. Por ano, com 13 salários, o trabalhador do mínimo recebe 2.015 dólares, o que representa pouco mais de 40% do Produto Interno Bruto per capita, estimado para 2006 em 4.700 dólares.
Nos Estados Unidos, o mínimo dá cerca de 12 mil dólares/ano, ou 30% do PIB per capita, em torno dos US$ 40 mil. Ou seja, comparada a riqueza de cada país, incluindo-se o padrão de distribuição, o mínimo brasileiro é proporcionalmente maior que o americano. E se for utilizado o cálculo pela paridade do poder de compra, será maior ainda.
Quem é o país rico? Publicado em O Estado de S. Paulo, 06 de fevereiro de 2006