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Ei! E a corrupção?

Carlos Alberto Sardenberg

         Em um de seus últimos votos antes de se aposentar do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello escreveu:

         “O fato inquestionável é que a corrupção deforma o sentido republicano da prática política, afeta a integridade dos valores que informam e dão significado à própria ideia de República, frustra a consolidação das Instituições, compromete a execução de políticas públicas em áreas sensíveis como as da saúde, da educação, da segurança pública e do próprio desenvolvimento do País, além de vulnerar o princípio democrático”.

         Entretanto, não há uma palavra sequer sobre corrupção na nova Carta aos Brasileiros, a ser lida no dia 11 de agosto na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Celso de Melo, que se formou naquela escola, deve ser o porta-voz do documento.

         E se ele está certo no seu voto, como acreditamos que está, há aí uma contradição. A corrupção não é “apenas” uma questão moral, mas política, social e econômica. Sua prática destroi fundamentos da democracia. Logo, a condenação à roubalheira do dinheiro público deveria constar num manifesto em defesa do estado de direito democrático.

         Há, entretanto, argumentos para que este tema não apareça. O principal: a defesa da democracia e do sistema eleitoral é universal e, portanto, não partidária. Logo, um documento centrado nesse princípio pode receber o apoio das diversas correntes políticas, como está ocorrendo.

         Na prática, porém, a Carta é contra o presidente Bolsonaro. Óbvio. É ele que vem ameaçando a democracia, no geral, e o sistema eleitoral brasileiro, em especial. Por isso, mesmo que o nome do presidente não tenha sido citado na Carta, parace claro que nenhum bolsonarista vai assiná-la. O autoritarismo, o pleito pró-ditadura está na essência do bolsonarismo.

         Vai daí que o documento favorece Lula – tanto que já foi assinado por partidários do ex-presidente. E que não o fariam se ali constassem menções, ainda que indiretas, sobre os dois maiores episódios de corrupção que abalaram a democracia, o mensalão e o petrolão.

         De novo, faz sentido argumentar que a questão do momento é defesa da eleição e das urnas. Está certo e é importante essa ampla movimentação da sociedade civil.

         Então, por que estamos colocando o tema da corrupção? Não é para estragar a festa, mas para tentar deixar em evidência uma questão que parece banalizada.

         A última pesquisa Datafolha registra que 73% dos entrevistados acham que há corrupção no governo Bolsonaro. Logo, apontar o dedo para essa prática danosa não é embaraçoso apenas para o PT. Atinge um amplo espectro de lideranças políticas, das quais a maioria absoluta tem escapado da cadeia com incrível facilidade.

         O problema está aí. Na mesma pesquisa Datafolha, a corrupção aparece, digamos, como um problema menor, atrás de saúde, economia, desemprego, fome, inflação. De novo, faz sentido: estão aí os problemas que afligem o dia-a-dia das pessoas.

         Outras pesquisas mostram que os brasileiros, na maioria, sabem da Operação Lava Jato, sabem que Lula foi preso e teve suas condenações anuladas. No mínimo, há dúvidas quanto a sua inocência.

         Mas isso não parece ser arguymento para tirar votos do ex-presidente. Como os bolsonaristas não se afastam de seu líder quando percebem a corrupção no atual governo.

         Banalizou. Se todo mundo rouba, qual é o problema? Nesse ponto, os lulistas dizem mesmo que seu líder foi especialmente perseguido. Por que só ele foi em cana?

         Lembram-se de um personagem de Jô Soares que era sempre apanhado pela Receita? Tentava se defender com os argumentos mais ridículos, e engraçados, mas sempre terminando com o mesmo mote: só eu? E os outros?

         Assim caímos no “rouba mas faz”, da velha política.

         Trata-se de um enorme equívoco. Como mostram estudos coordenados pela professora Maria Cristina Pinotti, a corrupção reduz a eficiência da economia, tolhe o crescimento, aumenta a desiguladade e bloqueia as boas políticas sociais. Acrescente aí o voto de Celso de Mello e temos a conclusão completa: a corrupção mata a economia e a derruba a democracia.

         É essencial compreender isso, se queremos um país desenvolvido.

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