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A Corte dos amigos e parentes

Capitalismo de amigos em um ambiente de capitalismo de estado, com o governo distribuindo verbas, créditos e obras para as empresas da casa  – isso destruiu a economia brasileira. Mas a coisa vai além. Temos uma república inteira de parentes e amigos.
         Três casos exemplares chamaram a atenção nesta semana. Começou com o procurador geral, Rodrigo Janot, pedindo o cancelamento do habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes que tirou da cadeia o empresário Eike Batista. Segundo Janot, o ministro estaria impedido porque a mulher dele, Guiomar Mendes, é sócia do escritório de advocacia Sérgio Bermudes, do qual Eike é cliente.
         Logo a bola voltou para Janot, cuja filha, Letícia Ladeira Monteiro de Barros, advoga para a OAS e para a Braskem, do grupo Odebrecht, empresas que estão no dia-a-dia da Lava Jato e suas ramificações. O procurador deveria ser impedido nos casos daquelas empresas, disse o advogado Sérgio Mendes, que saiu em defesa do casal Mendes.
         O terceiro caso está no Congresso. Parece diferente, mas pensando bem é um caso da Corte política. O deputado Newton Cardoso Jr. foi designado relator de uma Medida Provisória que permitia o parcelamento de dívidas com a Receita em até cinco anos. Pois o deputado incluiu no seu relatório perdão de juros e multas, dobrou o parcelamento e mais tantas bondades com devedores, todas medidas que beneficiam diretamente as empresas de seu pai – que acumulam mais de 30 processos fiscais.
         Todos os envolvidos responderam com a mesma lógica. Algo mais ou menos assim: qual o problema? Sou imparcial e republicano, sei separar o público do privado (familiar, nos casos).
         Na área jurídica, a argumentação em defesa de Janot e Mendes, feita por eles e por outros,  foi quase idêntica. A filha de um e a esposa do outro advogam no cível e os casos da Lava Jato e ramificações estão obviamente no âmbito criminal. Logo, não tem problema.
         Curioso que, se esse argumento está correto, Janot não poderia pedir o impedimento de Mendes. Do mesmo modo, o advogado Sérgio Bermudes não poderia dizer que o procurador geral deveria ser impedido.
         E se os dois lados estiverem certos, um contra o outro? Ok, o escritório Sérgio Bermudes só advoga para Eike nos processos civis. Mas Bermudes, conforme admitiu, aparece como advogado do empresário no processo criminal e chegou a acompanhá-lo pessoalmente numa audiência.
         Prestigiou o cliente num momento difícil, claro, mas olhem pelo outro lado, o do juiz do caso. Ele olha e vê ali um cliente do doutor Bermudes, o que não é pouca coisa. Trata-se de um dos mais brilhantes advogados brasileiros, titular de um super-escritório, com sócios do primeiro time.
         Faz diferença, não é mesmo?
         Janot se defendeu em nota oficial com uma tese que pode ser assim resumida: ele, procurador geral, não atuou pessoalmente, não assinou nenhum ato em partes do processo envolvendo a empresa OAS; e o que envolve executivos da OAS está a cargo dos promotores do Grupo de Trabalho da Lava Jato.
         Mas a empresa e seus executivos estão na Lava Jato e quem manda na operação, em última instância, é Janot.
         De maneira que a história vai mais longe. Janot, Mendes e Bermudes parecem convencidos de suas posições e seus argumentos. Nota-se mesmo uma indignação de todos os três quando dúvidas ou suspeitas são levantadas de um lado para outro.
         É que, no ambiente da Corte, essas relações familiares e de amizade têm sido consideradas normais há tanto tempo que o pessoal estranha quando alguém estranha.
         Ok, é normal que filhos sigam a carreira dos pais. Há famílias de médicos, jornalistas, advogados. Nenhum problema quando a família atua no setor privado. Mas a coisa muda quando se chega ao setor público.
         Claro que a filha de Janot e a mulher de Gilmar Mendes podem ser advogadas. Mas pai e marido deveriam admitir, quando assumem altos cargos no Judiciário, que de duas, uma: ou eles passam longe de qualquer caso no qual atuam filha e cônjuge ou estas não atuam em casos que podem chegar a seu pai e marido.
         Simples assim. Qualquer outra situação gera as dúvidas que este caso está suscitando – e enfraquece o Judiciário e, pois, o governo e a República.
         Qualquer pessoa de bom senso percebe isso. Esqueçam as tais argumentações técnicas, de alto teor jurídico. Não pode o juiz decidir sobre um caso que envolve ainda que remotamente um parente ou mesmo um amigo.
         É a mesma situação de Palocci e Dirceu, que ganhavam dinheiro fazendo consultoria para empresas clientes do governo do PT. Como se pode imaginar que saía daí uma consultoria independente?
         E tem mais: o pessoal da alta Corte acha normal que advogados que atuam nos tribunais superiores sejam amigos do peito de juízes que decidem seus casos. Dividem jantares, festas, viagens.
         Não pode, é claro.
         Eis outro efeito indireto da Lava Jato. Está exibindo as perigosas relações da Corte.