OUTRO CHOQUE DO PETRÓLEO?

. Gatilho esdrúxulo Petróleo não é de se brincar. Pouco mais de 60% do transporte mundial se faz queimando óleo. Com esse insumo essencial mais caro, sobe a inflação e os bancos centrais elevam juros. O Banco Central do Brasil reúne seu Comitê de Política Monetária entre 16 e 17 de abril. Antes do efeito petróleo, a maioria dos analistas esperava mais um corte na taxa básica de juros, hoje de 18,5% ao ano. Agora, a maioria espera a manutenção da taxa, embora admitindo que a tendência de queda possa ser retomada em maio, assim que a crise do Oriente Médio passar a ser administrada pela diplomacia mundial, especialmente o governo americano. Já nos Estados Unidos, especula-se que o Federal Reserve, o banco central deles, talvez tenha que antecipar para já a alta de juros, prevista inicialmente para o segundo semestre. Isso, explica-se, se o preço do petróleo subir mais um pouco e alcançar os US$ 30 o barril. Só nos últimos 30 dias, a gasolina subiu 24 nos EUA, aproximadamente o mesmo reajuste aplicado aqui pela Petrobrás. Visto assim, parece tudo muito parecido. Mas quando se entra no inferno dos detalhes, a história muda. Nos EUA os juros podem subir, mas do patamar mais baixo de muitas décadas, 1,75% ao ano. Aqui, podem não cair, mas de um nível já altíssimo. Lá, há um mercado livre e competitivo de combustíveis. Aqui, o mercado também é livre, mas um produtor, estatal, detém o monopólio. Assim, por partes. Primeiro, qual o risco global em torno do petróleo? Não deve faltar produto. A situação é muito diferente da grande crise de 1973, quando os países árabes impuseram um embargo às nações consideradas mais pró-Israel, atingindo especialmente Estados Unidos, Japão e Holanda. Ainda assim, o embargo durou apenas três meses, por uma simples razão econômica. Os países do embargo tinham no petróleo sua única fonte de renda. Quase 30 anos depois, a situação permanece a mesma, de modo que esses produtores darão um tiro na própria economia se não venderem para os maiores importadores do mundo, os EUA. Além disso, em 1973, metade da produção mundial, 30 milhões de barris/dia, estava nas mãos da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, Opep, dominada pelos países árabes e islâmicos. Hoje, a Opep continua com os mesmos 30 milhões de barris/dia, mas os não-membros alcançam 47 milhões, com folga para aumentar. O principal exportador mundial não é mais a Arábia Saudita (7,2 milhões barris/dia) mas a Rússia, com um pouco mais. E se a falecida União Soviética era pró-árabe, a nova Rússia mantém uma relação íntima com os americanos.. Assim, o gesto do Iraque de suspender a exportação de seus 2 milhões de barris/dia teve efeito apenas psicológico no mercado futuro. O preço subiu um pouco, movido a expectativa, e caiu em seguida. Mas o preço é problema. Muito caro, bloqueia a recuperação da economia mundial ora em curso. Os últimos três anos e meio mostraram variações expressivas no preço mundial. O petróleo estava a preço de banana no final de 1998, 10 dólares o barril. Subiu por uma combinação de dois fatores. Um, o fortíssimo crescimento da economia americana, que arrastou o resto do mundo. Em cima disso, a Opep conseguiu impor uma redução na produção, no que foi acompanhada pelos países não-membros. Aqui, a unanimidade funciona, pois não se faz em torno de religião ou ideologia, mas do bolso. Em meados de 2000, a cotação atingiu o pico de 38 dólares. Caiu a partir daí pela inversão dos fatores anteriores. Os EUA desaceleraram e os produtores, admitindo que 38 dólares colocavam em risco a estabilidade da economia mundial, aumentaram a exportação. No final de 2001, com os EUA em recessão, o preço voltou a cair, chegou a 20 dólares e ali estacionou até fevereiro último. Por isso, a Petrobrás pode iniciar 2002 com uma redução de 25% no preço da gasolina na refinaria. O último período de alta recomeçou há pouco mais de um mês, de novo por causa de alguma ação da Opep, agora sem a ajuda da Rússia, mas especialmente porque a economia americana entrou em rota de recuperação mais acelerada do que se previa. Eis o ponto: sem a ofensiva de Ariel Sharon na Palestina, o barril já ia para algo entre 23 e 25 dólares. Ficou em torno dos 27 dólares com a crise, de modo que o efeito Oriente Médio é limitado. Isso é ao mesmo tempo bom e ruim. Bom porque mostra a limitada capacidade de pressão dos países árabes e islâmicos. Além disso, os países importadores, escolados, criaram a Agência Internacional de Energia, que mantém estoques para quase cinco meses. É improvável que a crise do Oriente Médio escale para um boicote generalizado de petróleo e isso por mais de cinco meses. O lado ruim da história é que, mesmo sem crise lá, o petróleo estará caro, e isso por um motivo contraditoriamente positivo, a recuperação econômica mundial. Resumo, os especialistas continuam imaginando, para depois da volatilidade atual, um preço entre US$ 23 e 25 o barril, com a crise do Oriente Médio administrada e sem ataque americano ao Iraque. De novo: é mais provável que essa administração ocorra, já que Israel não tem como resistir à pressão americana por muito tempo. E ainda levará tempo para que o governo Bush consiga o apoio necessário para uma intervenção no Iraque. Como o petróleo a 23/25 dólares atinge o Brasil? Já atingiu. O ex-superintendente da Agência Nacional de Petróleo, Adriano Pires, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Centro Brasileiro de Infraestrutura, observa que o sistema de preços da Petrobrás não é suficientemente transparente. Mas estima que o último aumento da gasolina tenha se baseado no barril a 27 dólares. A regra de reajuste anunciada pela Petrobrás baseia-se no preço da gasolina na região do Golfo americano e não no custo da matéria-prima. Mas há uma relação muito direta, nos EUA, entre custo de petróleo e da gasolina, já que o mercado é absolutamente livre. Há, entretanto, um fator de contenção, que é o fato do mercado ser competitivo, disputado por muitas refinarias e muitos diferentes proprietários de postos. Aqui, o mercado é livre. Quem quiser pode refinar óleo ou importar gasolina. Mas em quais condições alguém se animará a fazer isso, sabendo que a Petrobrás detém 98% do refino e é dona das instalações portuárias e dos oleodutos? Mais ainda: quem se animará a competir sabendo que o atual dono do mercado pode vender gasolina a um preço muito menor do que o do mercado mundial? A Petrobrás importa cerca 25% do petróleo que refina, sendo que o nacional lhe sai por uns dez dólares o barril. Aliás, a Petrobrás tem tomado esse cuidado de deixar seu preço um pouco abaixo do internacional. Eis onde nos meteu a chamada política de abertura do setor de combustíveis. O mercado é livre, mas como tem um só dono, resulta que a Petrobrás é livre para fazer o que quiser. Inclusive para anunciar esse esdrúxulo gatilho que dispara a cada 15 dias, conforme a variação do preço da gasolina no Golfo americano. Por isso, Pires e o ex-presidente da ANP, David Zylberztajn, clamam pela ação da ação da própria Agência e dos órgãos de defesa do consumidor e da concorrência. Ora, o que se faz quando uma companhia controla mais de 50% de um mercado tão essencial? Ela é obrigada a vender ativos, subsidiárias e companhias controladas, de modo a encolher. Ou seja, seria preciso privatizar pelo menos metade da Petrobrás, vendendo-se parte de suas refinarias e de seus campos de petróleo. Como isso não está na agenda política – o presidente Fernando Henrique assinou carta prometendo que não o faria e os presidenciáveis querem distância da polêmica – restam quebra-galhos, como obrigar a Petrobrás a ceder suas instalações para a concorrência (quem acredita nisso?) e proibi-la de praticar dumping. Só que isto significa proibi-la de reduzir preços. E segue o paradoxo. O BC não pode reduzir os juros por causa disso, a Petrobrás nada em lucros, os governos federal e estaduais esfregam as mãos: gasolina cara traz mais impostos. Está na cara que algo saiu errado. Publicado na revista Exame, edição 764

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