OS PRESIDENTES DA AMÉRICA DO SUL

. Artigos VENDER PARA OS RICOS     Quando dizia que o objetivo do Primeiro Encontro de Presidentes da América do Sul não era o de criar um bloco hegemônico, Fernando Henrique Cardoso brincou com uma ressalva: a menos que se trate de sustentar a supremacia do futebol sul-americano. “Aí somos hegemônicos”, concluiu FHC. Com razão. Uma seleção sul-americana seria um “dream team” – perdão, um time de sonhos/suenos. Já pensaram numa dupla de volantes Vampeta/Verón ou uma combinação Redondo, Alex, Rivaldo e Batisttuta, com Gamarra na defesa? Só que os nossos craques jogam na Europa. Foram exportados. Eis aí. Brincando, FHC tocou num ponto essencial dessa história toda. O objetivo é a formação de uma área de livre comércio na América do Sul, mas os países da região, como todos os países emergentes, precisam mesmo é exportar para os países ricos. Também precisam de capitais dos países desenvolvidos. Tome-se o caso da cocaína, mal comparando, é claro. Mas temos aí uma produção agrícola na Colômbia, uma operação química também lá e em países vizinhos, Brasil incluído, uma operação financeira, que passa pelo Brasil, e um mercado consumidor nos Estados Unidos e Europa. Fosse a cocaína legal e teríamos aí um caso de estrondoso sucesso de países emergentes. (Esclareçamos logo: ninguém está propondo a legalização da droga. É apenas um exemplo). A integração comercial da América do Sul, em si, é um objetivo importante para a economia de todos os países da região. Veja-se o exemplo do Mercosul: o comércio Brasil/Argentina mais do que triplicou. Ainda assim, essa integração nem de longe é suficiente se o objetivo é criar condições de crescimento acelerado. Alguns casos específicos podem ilustrar a tese. Brasil e Colômbia vão trocar café? Não seria mal uma concorrência. Forçaria os produtores a buscar qualidade e preço, mas quanto mercado ganharia a Cacique colocando seu solúvel em Cartagena? Não é desprezível, mas em Nova York ou Paris é outra história. O Chile se queixa que os argentinos impõem barreiras comerciais a seus vinhos – o que é verdade. Aliás, é um dos problemas para a entrada do Chile no Mercosul. Mas digamos que se resolva e que se abram para o vinho chileno todos os países sul-americanos. Um bom mercado, sem dúvida, mas o verdadeiro salto da produção chilena seria enfrentar os vinhos do mundo nas mesas americanas e européias. Idem para os vinhos argentinos. Os países sul-americanos são igualmente exportadores mundiais de comodities. A Venezuela, cujo presidente Hugo Chavez se diz defensor da América do Sul unida contra os outros, vive de vender petróleo para os Estados Unidos. Nem de longe os vizinhos podem substituir a máquina americana de queimar óleo. É assim em qualquer tipo de negócio. O que dá dinheiro é vender para os mais ricos, como bem aprenderam, e praticaram tigres como a Coréia e a China, especialistas em invadir mercados desenvolvidos. E vejam o México, em expansão acelerada, exportando toneladas para o mercado aberto dos Estados Unidos. Ou seja, o mercado comum da América do Sul não pode ser visto como alternativa ao comércio com outros países e blocos. Para ir direto ao ponto, continua sendo essencial o caminho em direção à Associação de Livre Comércio das Américas, Alca, reunindo mais a América Central, México, Estados Unidos e Canadá. Para ir mais longe: continua sendo necessário avançar na globalização, a oportunidade que países emergentes têm de entrar em mercados por todo o mundo. Seria um desastre se a região se transformasse num enorme mercado fechado, com tarifas de importação elevadas para produtos de países ou blocos de fora. Os males do protecionismo – indústria de carroças, preços altos, má qualidade – que tanto atrasaram cada país sul-americano, seriam multiplicados por doze. Em resumo, o mercado comum sul-americano não é alternativa, mas pode ser um passo prévio à integração na Alca ou à associação com outros blocos, como a União Européia. Dá mais força de negociação em alguns assuntos, caso óbvio dos produtos agrícolas. Interessa a todos os sul-americanos a abertura dos mercados americano e europeu. De resto, para o Brasil, essa integração sul-americana é bom negócio. Tendo uma indústria hoje já bem desenvolvida, terá ganhos com a abertura de mercados na região. Argentina e Chile também se beneficiam. Se bem que muita coisa continua dependendo da decisão das multinacionais. Por exemplo: abastecer a Colômbia com carros made in USA ou Brasil? O que se tem a fazer é tornar mais fácil importá-los do Brasil – e daí a importância da integração física da região. Finalmente é de reparar que a primeira reunião de presidentes da América do Sul tenha se dado só agora, quase 200 anos depois dos processos de independência. Continuaram todos ligados aos antigos colonizadores, por razões econômicas, políticas e culturais, e nesse aspecto a reunião da semana passada é um marco notável. Ainda mais considerando que todos os doze presidente são eleitos no voto popular. É verdade que algumas eleições não foram exatamente um exemplo de jogo limpo, mas vá lá, é um avanço e tanto. E o ambiente de solidariedade cria uma oportunidade única: montar uma seleção sul-americana para dar uma lição inesquecível a uma seleção européia, num jogo em Nova York, com tevê global.

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