O SEGUNDO COMEÇO DO GOVERNO LULA

. Começar de novo O governo Lula vai começar de novo. Um bom sinal disso é última ata do Comitê de Política Monetária, Copom, explicando por que reduziu a taxa básica de juros em 2,5 pontos percentuais. Conforme amplo entendimento entre os analistas, a ata disse que o surto inflacionário está debelado, de modo que sobe para a primeira fila a preocupação com o crescimento e, pois, com a redução dos juros reais. Ou seja, a taxa básica, a Selic, hoje a 22%, pode chegar ao final do ano na faixa dos 18% ou ainda menos se o céu for de brigadeiro. Outro sinal: os números do Produto Interno Bruto (PIB), indicando que o país passou por uma recessão pior que a imaginada no primeiro semestre. É mais um argumento para se acelerar a redução dos juros. Ainda na semana passada, o risco Brasil andou abaixo dos 700 pontos e a Bolsa de Valores ultrapassou os 15 mil pontos. Esses indicadores ficaram muito próximos de um quadro verificado no início do ano passado, antes do mercado ficar aterrorizado com a perspectiva de vitória de Luis Inácio Lula da Silva. Esse terror levou a uma completa deterioração financeira, que logo atingiu a economia real, de modo que Lula, vitória confirmada, foi obrigado a se concentrar em dois pontos: debelar a crise (basicamente eliminar o surto inflacionário) e conquistar credibilidade (no essencial, mostrando austeridade nas contas públicas). Pode-se dizer que os dois objetivos foram atingidos. O efeito secundário foi a recessão, entendida como o preço pago por aqueles objetivos. Agora é começar de novo. Já há sinais de recuperação da atividade econômica (crescimento de vendas aqui e ali, nos supermercados, por exemplo). Também as previsões de expansão da economia para o ano que vem começam a convergir para a faixa dos 3,5%, que não é lá essas coisas, mas para quem vem de três anos piores está mais do que bom. Esse crescimento de 3,5% para 2004 pode ser obtido sem grande esforço – quer dizer, sem novos investimentos. Bastará ocupar um pouco mais a capacidade ociosa, no lado da produção. No lado do consumo, é possível que as pessoas tornem-se mais propensas a gastar. Será mais ou menos como tirar o bode da sala. Com a explosão da inflação (que era de 7% anuais no início do ano passado e chegou a quase 20% no final) a renda real dos trabalhadores despencou (queda de 16% em um ano). Dados do IBGE, divulgados na semana passada, mostram que o consumo das famílias caiu 4,7% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2002. Quando se compara o segundo trimestre de 2003 com o trimestre anterior, a queda é ainda maior: as famílias consumiram 7,1% a menos. Isso com o bode – ambiente inflacionário e juros na lua. Sem o bode, a sensação será melhor, o pessoal se animará a algumas compras pelo crediário. Tudo considerado, a questão é: estamos no caminho de algum crescimento, mas para ir além disso é preciso saber como o governo Lula fará neste recomeço? Ou ainda, como utilizará a credibilidade adquirida? FMI será um tema importante. O próprio presidente Lula já especulou sobre a possibilidade de se dispensar o acordo com o Fundo que vence agora em setembro. Na última sexta, o ministro Antonio Palocci disse que a decisão será tomada apenas em outubro, mas acrescentou que um novo acordo talvez não seja necessário. De modo muito simples, acordos com o FMI servem para duas coisas. Uma é dinheiro mesmo – o Fundo empresta dólares para os países em dificuldades com seus pagamentos externos. No caso, o Brasil levou US$ 30 bilhões. Além disso, acordo com o FMI é um tipo de seguro. O governo se compromete com uma série de metas que definem uma política econômica clássica. Assim, o país conta com o aval do Fundo, o que ajuda na obtenção de financiamentos de fontes privadas. Internamente, o acordo coloca uma blindagem em torno do Ministério da Fazenda. É assim: todo santo dia tem alguém pedindo ao ministro da Fazenda a liberação de algum gasto, quase sempre para uma coisa útil (a recuperação de uma estrada, mais merenda escolar, cartão alimentação etc.). Todo santo dia o ministro nega, pela simples razão de que as demandas excedem de várias vezes o dinheiro disponível. Nessas circunstâncias, ajuda quando o ministro pode argumentar: “É, você tem razão, precisamos fazer isso. Mas tem o acordo com o FMI ….E você sabe como o mercado reage quando não se cumpre o acordo. Não queremos repetir o dólar a quatro reais não é mesmo?” “Não claro, nem pensar”- o ministro gastador é obrigado a dizer. Funciona. Sem o truque do FMI, como fica? O mercado continua depositando confiança? Os demais ministros e o próprio presidente vão absorver a tese de que, na verdade, o gasto precisa ser contido não porque o FMI quer mas porque o setor público tem uma dívida enorme? É isso que o ministro Palocci parece estar testando desde já. Não é fácil conquistar credibilidade. Que o diga o Banco Central de Lula. Precisou fazer uma recessão. Em compensação, é fácil e rápido perder a confiança dos mercados. De outro lado, se o governo Lula mantiver a credibilidade sem acordo com o FMI – sempre uma restrição – terá dado um enorme passo na direção da redução do risco Brasil. Também será um bom resultado se conseguir um acordo com o FMI que dê alguma liberdade para investimentos públicos. Eis aí, nesse recomeço, o governo Lula enfrenta um teste importante nesse caso do FMI. Além de um outro, crucial para o crescimento, que está na definição das garantias e estímulos ao investimento privado.Veremos. Publicado em O Estado de S.Paulo, 01/09/2003

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