O QUE SÃO QUATROS ANOS SEM RADARES?

–Órgão federal leva quatro anos para refazer contrato de manutenção de radares em rodovias e o pessoal acha normal–

Os radares, lombadas eletrônicas e pardais das rodovias federais não funcionam há quatro anos. O contrato com a empresa que cuidava disso foi encerrado em 2007 e o novo só começa a ser aplicado em março próximo, se for cumprida a promessa do Denit, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, um dos órgãos mais cobiçados na partilha de cargos em Brasília. Difícil acreditar.
Na última sexta-feira, reportagem da rádio CBN revelou que o pessoal do Denit acha que não há nada de errado nessa história. Quatro anos sem contrato? É assim mesmo. Vocês sabem, não é simples fazer uma licitação no Brasil, ainda mais quando se trata de comprar radares para todas as rodovias federais e administrar tudo isso. Uma trabalheira danada.
Os leitores e as leitoras não estão acreditando? Pois foi assim mesmo que o pessoal do Denit explicou.
Como qualquer pessoa que não seja um burocrata de Brasília sabe que quatro anos para instalar radares é um absurdo monumental, o que se pode concluir daí?
Primeiro, que o sistema de licitações, contratações e licenças no Brasil ficou tão ?non sense? que o pessoal do setor também perdeu o juízo.
Segundo, que a turma se acostumou com isso. Qualquer pessoa normal colocada na diretoria do Denit ficaria desesperada com uma demora de quatro anos para fechar um contrato tão importante. Faria o diabo para adiantar isso e, no limite, diante do fracasso, se demitiria. (Mas alguém se demite por essas coisinhas em Brasília?)
Terceiro, que está aí a prova cabal da ineficiência da administração pública e, mais ainda, da administração loteada politicamente.
Essa gestão é centralizada em Brasília, o contrato total chega a quase R$ 1 bilhão. Desperta interesses, cobiças etc e tal.
Imaginem o contrário, que as rodovias federais tivessem sido todas privatizadas, em diversos lotes. Os radares passariam a ser responsabilidade de cada concessionária, em uma administração descentralizada e flexível. O Denit não teria que comprar nada, apenas fiscalizar o cumprimento do contrato de concessão. (Passei outro dia numa rodovia federal privatizada e estava cheia de radares).
Mas aí não haveria um bilhão de reais para gastar, nem cargos ?bons? para nomear.
Não são apenas radares que estão apagados. Aeroportos e estádios da Copa, por exemplo, estão todos atrasados ? e em todos os casos há problemas de licitação, licenças ambientais, fiscalização do TCU e ?judicialização? ? aquela circunstância em que tudo vai parar nos tribunais, todos rapidíssimos, como se sabe.
A receita para isso é um choque de privatização e uma mudança no ambiente de negócios.
Esquerda ou direita
Reforma da previdência é igual no mudo todo. Trata-se de fazer com que as pessoas trabalhem mais, contribuam mais e se aposentem com vencimentos menores. Parece que o governo Dilma, ou parte dele, está retomando essa agenda, incluindo idade mínima para aposentadoria do pessoal do setor privado e o fim da aposentadoria integral para funcionários públicos.
Seria uma agenda de esquerda ou de direita? De direita, será a resposta majoritária por aqui, pois se trata, dirão, de limitar direitos e benefícios dos trabalhadores.
Na Espanha, porém, o governo é de esquerda, do Partido Socialista, chefiado por Jose Luiz Rodriguez Zapatero. As duas centrais sindicais também estão na esquerda. Pois governo e centrais firmaram um pacto em torno de uma reforma que aumenta a idade mínima de aposentadoria de 65 para 68 anos e o tempo de contribuição de 35 para 38 anos. A pensão será calculada com base nos salários dos últimos 20 anos (em vez dos atuais 15) o que deve reduzir seu valor.
Como argumentou a esquerda espanhola? Que era preciso salvar o regime previdenciário e garantir a todos uma pensão razoável, um objetivo de justiça social que depende do equilíbrio financeiro do sistema. Até o ano passado, a Previdência espanhola estava no azul: as contribuições pagas pelos trabalhadores ativos eram mais do que suficiente para pagar as aposentadorias. Em 2010, porém, já se registrou um pequeno déficit. E eles estão reagindo antes que esse déficit se transforme em uma bola de neve.
Pode-se acrescentar. A introdução do sistema público de previdência sempre foi uma agenda do social democracia e do socialismo não revolucionário. Portanto, impedir o colapso dessa política deve ser de esquerda, não é mesmo?
Por outro lado, tudo que limita direito dos trabalhadores deve ser de direita, certo?
Ideologias à parte, os números indicam que a Previdência brasileira está no caminho do desastre. As duas, a do INSS e a do setor público.
No ano passado, o déficit do INSS foi de R$ 44,3 bilhões. Em janeiro último, de R$ 3 bilhões, isso com o salário mínimo a R$ 540, valor vigente desde o início deste ano. Com o novo valor de R$ 545, o custo mensal adicional será de R$ 115 milhões, o anual de R$ 1,5 bilhão.
Pela regra aprovada para o mínimo, o salário de 2012 deve ir a R$ 620 reais. O custo ficará em torno de R$ 23 bilhões ao ano, simplesmente a metade do valor atual do déficit.
Não tem a menor viabilidade. O governo terá que aumentar impostos para financiar isso ? e isso numa economia já sobretaxada por uma carga tributária que é a maior entre os países emergentes.
Acrescente aí que o déficit do sistema de aposentadoria dos servidores públicos federais passou dos R$ 50 bilhões no ano passado, o que exige mais carga de impostos onerando toda a sociedade.
Não há a menor dúvida, o sistema já está quebrado. E então, aqui no Brasil, reforma da previdência é de esquerda ou de direita?

Publicado em O Estado de S. Paulo, 28 de fevereiro de 2011

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