. —-Ataque e defesa—–
Reparem no noticiário destes dias. Podemos resumi-lo em duas colunas. Na primeira, seguidas informações sobre o enfraquecimento da atividade econômica no mundo todo. Na segunda, ações dos bancos centrais e pacotes dos governos para reanimar a economia.
O impacto maior, no primeiro momento, é sempre das notícias que relatam o agravamento da recessão, especialmente nos países desenvolvidos. São demissões, férias coletivas, interrupção de produção, fechamento de fábricas e empresas que entram em concordata.
Na última sexta, por exemplo, saiu a que deve ter sido a pior notícia da crise até aqui, no que se refere à economia real. Em novembro, a economia americana eliminou nada menos que 533 mil empregos, número muito abaixo da expectativa média (perda de 350 mil postos) e colado na previsão mais pessimista.
Todos se assustam com o tamanho e a rapidez com que a crise se espalha. Resulta daí a desconfiança de que essa crise será mais longa do que se esperava (ou se desejava). A expectativa mais favorável conta com o início da recuperação para o segundo semestre de 2009. A mais negativa diz que a recuperação só virá, e lentamente, a partir de 2010 ? e isso se os governos tomarem as providências corretas, a tempo.
O que nos leva para a segunda coluna do noticiário, a reação à crise. Tem sido notável o esforço de bancos centrais e autoridades econômicas e políticas. Só na semana passada, tivemos:
. redução ?agressiva? de juros por parte dos bancos centrais da Inglaterra e da Europa
. parlamento alemão aprova plano de US$ 30 bilhões, para aumento de gastos públicos, concessão de crédito e corte de impostos
. o Fed, banco central dos EUA, cria uma linha de US$ 600 bilhões para comprar títulos das agências hipotecárias públicas (com o objetivo de forçar uma redução de juros de hipotecas) e outra US$ 200 bilhões para comprar carteiras de crédito de instituições de cartão de crédito, de crédito ao consumidor e das que concedem empréstimos aos estudantes que entram no ensino superior
. os governos dos EUA e China abrem linha de crédito de US$ 20 bilhões para financiar comércio externo de países emergentes.
Temos aí medidas já em andamento e planos. Estes costumam ser recebidos com reserva, pois podem não funcionar. Ainda que esta crise tenha exigido uma maior intervenção dos governos, isso não torna esses mesmos governos automaticamente eficientes.
Por outro lado, há um amplo consenso sobre as políticas a adotar. Economistas das diversas orientações estão falando coisas muito parecidas. Ou seja, que é preciso um forte aumento do gasto público, mas em investimentos, não custeio, redução de juros e compra, pelos bancos centrais e agências governamentais, de títulos de crédito do sistema financeiro. Além da capitalização dos bancos.
Havendo esse consenso, fica mais fácil implantar tais programas, que têm grande apoio entre as lideranças políticas. Portanto, é uma questão de tempo: uma hora, isso tudo tem de funcionar.
E continuam todos à espera do plano de Barack Obama. Líderes democratas dizem que vem coisa grande, um programa de gasto público entre US$ 500 e 700 bilhões de dólares. É artilharia pesada. Os 700 bi seriam equivalentes a 5% do PIB, o que faria do programa americano o mais forte entre todos já apresentados.
A crise é nossa
Aqui, as 1.300 demissões na Vale deram um sinal estridente para mostrar que a crise está, sim, entre nós.
Tinha que estar. São os caminhos da globalização. O mundo todo cresceu, o Brasil pegou a onda, exportou para todo lado. Agora, o mundo está ou em recessão (os ricos) ou em desaceleração (os emergentes). Sobra uma conta.
Mas, desta vez, a crise apanha o Brasil em condições bem mais seguras. Considerem este exemplo, a notícia que esteve na primeira página na semana passada: em novembro, a maior fuga de dólares do Brasil em dez anos.
Olhando para os números absolutos, a notícia faz sentido e assusta. Em novembro, o mercado de câmbio registrou um déficit de US$ 7,1 bilhões, a maior saída de dólares desde o déficit de US$ 8,5 bilhões de janeiro de 99, quando mudou o regime de câmbio no Brasil, de controlado para livre, com uma maxidesvalorização.
Aliás, também houve uma máxi agora. Lembrem-se: ainda em 1o. de agosto último (faz tão pouco não é mesmo?) o dólar valia R$ 1,60.
Mas, olhando o conjunto das contas externas, verifica-se que a situação de hoje é muito mais tranquila.
Comparem: em 99, o comércio externo brasileiro total era de US$ 100 bilhões/ano, com 50 de exportações e 50 de importações.
Neste ano, o comércio externo deve atingir US$ 379 bilhões, com um superávit de US$ 23 bilhões. Ou seja, a capacidade do país de obter dólares bons, com a venda de mercadorias, é 4 vezes maior.
As reservas do BC em dezembro de 98 eram de US$ 44 bilhões hoje, algo como US$ 205 bilhões.
Resumo da ópera: uma saída de 8 bilhões em 99 era crise no balanço de pagamentos hoje, não chega nem perto disso.
Esta foi uma das grandes mudanças no Brasil, as contas externas passaram de ?impagáveis? para superavitárias em dólares.
Acrescentem o fim da inflação e o controle das contas públicas ? a estabilidade macro ? e se entenderá por que desta vez o Brasil não vai quebrar.
História repetida
O presidente Bush, ao comentar o desemprego de novembro, admitiu pela primeira vez que os EUA estão em recessão.
E assim, igualou-se a seu pai, George Bush, que também deixou uma recessão para seu sucessor, Bill Clinton, democrata como Obama.
Assim, temos dois democratas assumindo recessões deixadas por republicanos.
Aliás, Clinton assumiu em janeiro de 1993 em meio a desconfianças de que, inexperiente, pudesse dar conta da crise. E Clinton simplesmente entregou uma era de prosperidade e expansão.
Quem sabe Obama…?
Publicado em O Estado de S.Paulo, 08 de dezembro de 2008