O PROGRAMA ECONÔMICO DO PT (4)

. O neonacional desenvolvimentismo de Lula (4) O documento “Um outro Brasil é possível”, apresentado pelo Instituto da Cidadania, de Luiz Inácio Lula da Silva, como uma proposta de programa econômico para a oposição, sustenta que um novo modelo econômico deve concentrar-se na produção de bens de consumo popular. Por oposição, entende-se que a produção de bens para os ricos não é prioritária, sequer importante. Ao contrário, pode até ser prejudicial. Lá pelas tantas, o documento diz que uma vantagem de se concentrar nos bens populares é que estes têm pouco conteúdo importado e assim não se gastam dólares na sua produção. Já os produtos para os ricos ou são importados ou têm muito conteúdo importado. Gastam-se preciosos dólares para atender um luxo. A tese parece bonita e um primor de justiça social. Mas é um equívoco monumental.  Consideremos um caso de uma cooperativa agrícola formada pelo MST em fazenda invadida. Imaginemos que essa cooperativa, tendo total suporte técnico de um Ministério da Reforma Agrária comandado por João Pedro Stedeli, adquira condições de desenvolver uma boa hortifruticultura. Como essa cooperativa ganharia mais dinheiro? Vendendo alface, tomate e cenoura, tudo baratinho para as populações pobres ou produzindo, digamos, alface tipo americana e aquelas cenourinhas tipo exportação para vender nos supermercados dos jardins, a dez reais o pacotinho na embalagem de plástico? A resposta é óbvia – ganha-se mais vendendo para os ricos alface a preço de chocolate. Mas formulamos o exemplo para mostrar que também deveria ser óbvio que os mais pobres também ganham ao produzir e vender para os ricos. A cooperativa do nosso exemplo teria maior rentabilidade, mais lucros, poderia reinvestir os ganhos, aumentar a produção, vender mais e, com isso, seus membros teriam renda maior. Tendo renda maior, passariam a consumir mais – e consumir mais o quê? Justamente os produtos mais populares que, aí sim, teriam mercado. E a cooperativa ganharia ainda muito mais se conseguisse desenvolver um modo de vender suas cenourinhas para os ricos de Nova York. Se, ao contrário, a cooperativa fosse obrigada a vender sua produção aos mais pobres, teria uma rentabilidade bem menor e continuariam todos pobres, produtores e vendedores. Passemos agora à indústria automobilística. Por causa do choque da abertura, as montadoras aqui instaladas – que produziam as carroças – investiram, modernizaram-se e agora fabricam carros cada vez melhores, com componentes importados. Se for coerente com a proposta do documento “Um outro Brasil é possível”, um governo Lula dirigiria a indústria para a produção de carros populares sem componentes importados, sem, por exemplo, eletrônica embarcada. Esse negócio de vidro elétrico não é mesmo uma frescura? Ocorre que as pessoas que podem comprar carros não querem essas coisas. E as que topariam um carro desses não têm dinheiro para comprá-lo. Dir-se-ia: se as montadoras empregarem esses que não têm dinheiro e passarem a produzir os carros populares, então poderiam vendê-los aos neo-empregados. Negativo. Nenhuma montadora faria um investimento desses para produzir carros de “baixo valor agregado”, para consumidores de baixo poder aquisitivo. Justamente por serem carroças dão pouco lucro, não viabilizam o investimento. E se não há investimento, não há empregos nem salários. Continuam todos pobres. Os mais jovens não se lembram, mas já se tentou uma coisa dessas por aqui. A Volks, nessa onda de produto popular, inventou um Fusca “pé-de-boi”, que era uma versão mais simples – na verdade canibalizada – de um carro que já era uma carroça. Fracasso total. De novo, a sequência correta é a inversa. Os ricos e a classe média compram os carros cada vez mais avançados e com isso movimentam uma indústria, que emprega mais operários, que, aí sim, tornam-se compradores de carros mais baratos. A lição a tirar disso aí não é nova, mas é surpreendente que ainda se precise falar dela. Um produto de consumo de luxo só é assim para a madame que faz a compra final. Dessa operação para trás, é negócio, investimento, cadeia produtiva, empregos e não para madames. A economia cresce se tiver empresas produtivas, rentáveis, trabalhando em ambiente favorável. Quando o documento do Instituto de Cidadania diz que um governo de esquerda vai “mobilizar”, “dirigir”, “orientar” a indústria para a produção de bens de consumo popular manifesta a ingênua ilusão de que pode levar empresas a produzirem coisas que não pagam o investimento. E se pretender forçá-las a isso, acaba falando sozinho. Pode ser mais bonito anunciar a produção para os pobres, mas o que move uma economia, faz deslanchar um país, dá emprego e renda aos mais pobres, é produzir bens de alto conteúdo, de valor agregado cada vez maior e, de preferência, para exportação aos países mais desenvolvidos. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 23/07/2001. Os três primeiros artigos desta série apareceram em edições anteriores do Estado. Podem ser encontrados neste site, no Arquivo, seção Pol;itica Econômica).

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