O PROGRAMA ECONÔMICO DO PT (2)

. O neonacional desenvolvimentismo de Lula (2) O documento “Um outro Brasil é possível”, apresentado pelo Instituto da Cidadania de Luiz Inácio Lula da Silva, como uma proposta de programa econômico, sustenta que “a consistência fiscal” é pedra angular do seu projeto. Consistência fiscal equivale a equilíbrio das contas públicas. É coisa simples porque se resume a um equilíbrio entre receitas e despesas. Mas também complicada porque isso depende de circunstâncias. Tem hora de gastar, hora de economizar. O documento afirma que está hora de o setor público aumentar seus gastos. Sustenta que há uma dívida social a pagar – mais importante que a dívida financeira – e que há investimentos urgentes a fazer em diversos setores da economia. Propõe então um verdadeiro choque de gastos. A saber: . crescimento progressivo e sustentável do salário mínimo; . aumento dos investimentos das estatais, especialmente em energia; . elevação do gasto em habitação e saneamento; . programas de distribuição de cesta básica, alimentos e remédios; . expansão das verbas de saúde e educação; . ampliação do processo de desapropriação de terras; . subsidiar os serviços de transporte, água, luz e saneamento. Sendo um projeto de programa, não se detalham números. Mas não há dúvida de que se trata de um pesado aumento de gasto. Considere-se apenas o salário mínimo. São 13 milhões de aposentados do INSS que ganham essa remuneração. Um aumento de 10%, modesto se considerado o discurso recente da oposição, representaria hoje um gasto adicional de R$ 3 bilhões/ano. Os programas assistenciais dependem do tamanho. Pode-se começar modestamente, embora seja difícil dada a pressão política que um governo petista receberia de suas bases. Já os investimentos em habitação, saneamento e infraestrutura são pesados em qualquer circunstância. E por falar em pressão política, um ponto curioso: o documento não fala de recomposição dos salários do funcionalismo público federal. Ocorre, porém, que quase todos os sindicatos do setor são comandados pela CUT. Chegando lá, um governo petista não terá como escapar do aumento real. E isso é mais caro que o salário mínimo. Qualquer 10% na folha de pessoal já passa dos R$ 6 bilhões/ano. Por outro lado, o documento “Um outro Brasil . . .” inclui propostas de redução de receita. Recomenda, em termos gerais, uma redução de impostos para assalariados e classe média. Especificamente em relação do imposto de renda, propõe ampliar o grupo dos isentos e reduzir as alíquotas cobradas de trabalhadores e classe média. Fala-se ainda em “desonerar a produção” e financiamento subsidiado para determinadas empresas e setores, como a agricultura, o que significa redução de impostos e/ou crédito a juros menores que os de mercado. Portanto, despesa que acaba caindo no Ministério da Fazenda. Como é que se paga isso tudo? Primeiro, o documento sugere ganhos de receita. A saber: . imposto sobre “lucro extraordinário” das empresas privatizadas; . aumentar o imposto de renda dos bancos; . aumentar as alíquotas de IR sobre as “rendas milionárias”; . tributar a riqueza imobiliária (impostos sobre casas, apartamentos, sítios, fazendas,etc.., além dos IPTU e ITR, que também serão aumentados); . mais imposto sobre herança. Não se especifica o que é “lucro extraordinário” nem a partir de quanto uma renda torna-se milionária. Por toda parte, fala-se em taxar a riqueza, mas não se define a partir de quanto uma pessoa é rica. Não é um problema trivial. Em um país de renda per capita em torno dos US$ 5 mil, quem ganha R$ 6 mil por mês, tem um apartamento na cidade e um menorzinho na praia pode cair na categoria dos ricos – e é isso que costuma fazer a Receita Federal, alcançando assim a classe média brasileira. Mas se considerado apenas o “rico-rico”, aí sobram poucas pessoas. E a arrecadação será pequena, mesmo se cobrados impostos extorsivos. Tudo considerado, mesmo com a falta de números, pode-se dizer que esse conjunto de impostos não cobre o aumento de gastos previsto. Os autores do documento sabem disso, tanto que vão buscar recursos em duas outras fontes: a redução do superávit primário e a redução da conta de juros. Aí tem dinheiro grande. Nos últimos 12 meses, o governo federal fez um superávit primário de R$ 25 bilhões. A conta de juros nominais, nesse mesmo período, passou dos R$ 70 bilhões. Superávit primário é o resultado da receita (impostos, taxas, contribuições e mais o lucro das estatais) menos as despesas correntes e de investimento (ou seja, o funcionamento da máquina de governo, pagamento de salários e aposentadorias), excetuada a despesa com juros. Obter superávit primário é a base da atual política econômica. Trata-se de fazer economia nas contas básicas de modo a sobrar algum para pagar parte dos juros e assim controlar o crescimento da dívida. (Esta, aliás, passou de R$ 600 bilhões em maio, considerando todo o setor público). Portanto, pensando no limite, a eliminação do superávit primário daria ao governo mais R$ 23,5 bilhões, suficientes para boa parte dos programas propostos pelo documento do Instituto de Cidadania. Mas e os juros? Seria necessária rolar toda a despesa financeira, isto é, tomar empréstimo novo para pagar prestações e juros da dívida passada. Com isso, a dívida pública subiria a uma velocidade que logo se tornaria inadministrável. (Pense numa empresa ou numa família que não consegue economizar nem um centavo para amortizar dívida). Fugiriam os investidores e credores locais e internacionais, o governo seria obrigado a pagar juros cada vez maiores para vender seus papéis e a coisa terminaria no calote. Não se a taxa de juros for substancialmente reduzida, respondem os autores do documento “Um outro Brasil é possível”. De fato, cada ponto percentual sobre uma dívida de R$ 618 bilhões representa R$ 6,18 bilhões num ano. Dez pontos a menos, e tudo estaria resolvido. A coisa funcionaria se fosse fácil reduzir os juros locais. Não é. A equipe econômica de FHC sustenta que os juros cairão na medida em que o governo estabilizar sua dívida, fazendo-se isso com superávits primários. Isso daria credibilidade ao ajuste das contas públicas. Funciona, aqui e em qualquer outro país. A tese do documento do Instituto de Cidadania diz que, reduzindo-se a vulnerabilidade externa do país (o déficit nas contas externas), os juros locais cairão. Também funciona. Aliás, o atual governo conta com isso como o outro lado de sua política econômica. O problema é que para reduzir o déficit externo, o país precisa passar do atual déficit no comércio externo para um imenso superávit. Leva tempo. Por isso mesmo, a estratégia de gerar superávits primários nas contas do governo – para controlar a dívida pública interna – torna-se prioritária, por estar inteiramente ao alcance do governo local. Aumentar exportações depende da gente e da situação do resto do mundo, os clientes. Eis o problema do documento de Lula: propõe um enorme aumento de gasto público contando com economias na conta de juros que viriam de uma difícil e demorada redução no déficit externo. Sendo que o gasto público é para já, dada a pressão que virá de suas bases. O risco é aumentar enormemente o déficit público – e afundar numa crise fiscal – antes de ter tempo de reduzir a vulnerabilidade externa. E isso se o programa for consistente para aumentar as exportações – o que é tema do próximo artigo. (O primeiro artigo desta série saiu em O Estado de S Paulo, caderno de Economia, página 2, 25/06/01. Também pode ser encontrado neste site, Arquivo, seção Política Econômica). Publicado em O Estado de S.Paulo, 02/07/01.  

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