O GOVERNO PODE FICAR SEM A CPMF?

. Vivendo sem a CPMF

Por qualquer conta que se faça, a eventual extinção da CPMF será um golpe pesado no orçamento do governo federal. Até outubro último, a CPMF levou quase R$ 30 bilhões para os cofres federais. Aliás, dinheiro mole para a Receita. Seus fiscais não precisam fazer nada a não ser olhar o saldo. Os bancos retiram os reais de nossas contas e depositam na conta do governo. Eis a verdadeira atração desse imposto.
Além disso, a receita da CPMF equivale a 1,5% do Produto Interno Bruto. Faz diferença, portanto.
Por isso, faz sentido a tese defendida, entre outros, pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que justamente cuida do orçamento. É preciso, primeiro, diz ele, aprovar projetos de lei que garantam corte de gastos para só depois tratar da redução de impostos.
As despesas federais se resumem em quatro grandes itens: Previdência, de longe a maior, devendo, neste ano, chegar perto dos R$ 200 bilhões Pessoal, que deve passar um pouco dos R$ 110 bilhões custeio e investimentos, mais ou menos R$ 130 bilhões e pagamento efetivo de juros, que ficará em torno dos R$ 70 bilhões (R$ 52 bilhões até setembro).
Há dois projetos de lei, já no Congresso, que cuidam dos dois primeiros itens. Um fixa uma regra de reajuste para o salário mínimo, que é a principal pressão sobre as contas da Previdência (quase 18 milhões de beneficiários recebem o piso). O outro fixa norma que limita o crescimento da folha de salários.
Seria de fato prudente aprovar tais regras e só depois cortar os impostos. Na prática, porém, a teoria é diferente.
É difícil para qualquer governante, diante de uma bonança na arrecadação, decidir fazer economia para prevenir o tempo das vacas magras. A tentação é o contrário: caixa cheio, vamos gastar.
É exatamente o que tem feito o governo Lula. Tem elevado todos os tipos de despesas (exceto a de juros) e já havia programado mais aumentos para o ano que vem ? seguindo a orientação do presidente Lula, segundo a qual governar é gastar. As despesas crescem acima da inflação e acima da expansão real da economia.
Já os projetos referentes ao controle da Previdência e dos salários aparecem apenas em determinados momentos políticos. No lançamento do PAC, por exemplo, para tentar mostrar que o compromisso com a austeridade permanece. Ou agora, na negociação em torno da CPMF, para dizer que ninguém está pensando em simples gastança.
Considerando isso e lembrando que governar é gastar bem e dentro dos limites da economia nacional, é preciso inverter a lógica. Colocar uma restrição de receita para obrigar o governo a se concentrar na redução e racionalização das despesas. Isso acontece naquelas crises econômicas que levam a uma queda na arrecadação federal (ou uma redução no ritmo de crescimento) criando um desequilíbrio com os gastos projetados am alta. A necessidade faz austeridade.
A extinção da CPMF pode cumprir esse papel hoje. A perda dos R$ 40 bilhões previstos para o ano que vem tornaria obrigatório um esforço substancial de contenção de gastos. A própria oposição, responsável pela derrubada da CPMF, ficaria moralmente obrigada a colaborar na aprovação das medidas de austeridade.
Há riscos, porém. O primeiro é o governo cortar as despesas erradas, ou seja, de investimentos em infra-estrutura e no superávit primário, que é justamente o dinheiro que destinado ao pagamento de juros.
Corte de investimentos é parar ou suspender obras. Fácil de fazer, de resultado imediato, e danoso para o país no médio prazo.
Quanto ao superávit primário, trata-se do aspecto de política econômica mais vigiado pelo pessoal que compra os papéis do governo, o chamado mercado. Se cai o superávit, com o respectivo aumento do endividamento público, o mercado imediatamente cobra juros mais altos do governo. E o tiro sai pela culatra, a menos que se aplique algum tipo de calote, o que é crise na certa.
Mas muita gente vai dizer a Lula que ele está preparado para enfrentar o mercado. Já disseram antes e até aqui o presidente não caiu nesse canto de sereia. Ainda bem.
Qual a saída, portanto? Aquela: controlar o aumento do salário mínimo (e, pois, a Previdência) e limitar os reajustes do funcionalismo. E transferir os investimentos para a iniciativa privada. Assim, dá para viver sem a CPMF.

Publicado em O Globo, 29 de novembro de 2007

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