ATAQUE AO `BIG PHARMA` E A PRODUÇÃO DE REMÉDIOS-1

O pessoal quer remédio barato mas quem remunera a pesquisa e produção?. Entre o capital e o social (1)

O negócio das multinacionais farmacêuticas tem sido chamado de ?big pharma?, algo equivalente ao ?big oil? para as companhias petrolíferas ou ?big money? para os bancos. Há um claro viés acusatório: trata-se do grande capital explorando consumidores e governos, em busca de lucros abusivos.

No caso do ?big pharma?, o alvo é ainda mais óbvio. Trata-se de remédios e, pois, de vida ou morte. E também de pesadas despesas de governos empenhados em programas meritórios de combate a doenças. Mais grave ainda: doenças que afetam os países mais pobres.

Nesse cenário, as pressões sobre as companhias farmacêuticas têm um objetivo básico: reduzir o preço dos remédios.

Em meio à disputa, cresce um outro grande negócio ? a produção de genéricos, que são cópias dos medicamentos ?de marca?. Já é multinacional, alcança vendas anuais de US$ 60 bilhões. Ainda é bem inferior às vendas globais do ?big pharma?, calculadas em US$ 300 bilhões/ano. Mas a cada ano aumenta a parcela do mercado disputada pelos fabricantes de cópias e que, obviamente, estão aí para ganhar dinheiro e não para fazer caridade.

Os genéricos são muito mais baratos porque não incluem o custo das pesquisas e desenvolvimento de um novo medicamento. É, de longe, o maior risco do negócio. Fabricar um medicamento, sabendo-se a fórmula, é fácil e barato difícil e caro, muito caro, é descobrir a fórmula.

Daí vêm as patentes, o direito à propriedade intelectual. A empresa que financiou o desenvolvimento da fórmula tem o direito de explorar comercialmente esse medicamento, com exclusividade, por um determinado número de anos.

Ninguém contesta essa regra universal, mas todo mundo contesta a prática do ?big pharma?.

Os produtores de genéricos dizem, por exemplo, que as farmacêuticas ?falsificam? novos produtos, ou seja, fazem pequenas modificações em um medicamento já existente, cuja patente está expirando, e o registram como novo. Alguns fabricantes de genéricos simplesmente começam a produzir um remédio ainda protegido e depois vão discutir nos tribunais se a patente é legítima ou não.

Em outros casos, governos ou instituições civis (defensoras de consumidores, por exemplo, ou ligadas a programas sociais) vão aos tribunais pedir quebra de patentes consideradas incorretas.

Outra acusação ao ?big pharma? sustenta que os laboratórios gastam mais dinheiro em marketing do que em pesquisa. É verdade que o gasto em marketing tem aumentado, mas não chega nem perto do investimento. Eis os números mais recentes, conforme estimativas de consultorias citadas em diversas publicações: despesas anuais em marketing, US$ 5 bilhões em pesquisa e desenvolvimento, valor igualmente anual, US$ 60 bilhões.

As multinacionais farmacêuticas, no fundo, vivem disso: contratar cientistas, montar os laboratórios, comprar serviços de universidades e ir atrás de um ?blockbuster?, um Viagra, que remunere os acionistas por um bom tempo. Aliás, parece que um dos grandes problemas do ?big pharma? tem sido a dificuldade científica e o custo cada vez maior para encontrar esses medicamentos altamente lucrativos.

De fato, embora os gastos com pesquisas tenham aumentado, o número de novas drogas colocadas no mercado caiu de uma média de 40/ano para menos de 30. Hoje, não se produz nada novo com menos de um bilhão de dólares, tal o entendimento no setor. É muito mais do que muitos países gastam com todas as pesquisas.

Tudo bem, dizem grandes consumidores e governantes na área de saúde, é custoso, mas ainda assim as multinacionais cobram muito mais do que seria uma justa remuneração.

Nos EUA, por exemplo, o Partido Democrata tem colocado o ?big pharma? na sua alça de mira. Grandes companhias que financiam planos de saúde para seus funcionários também estão forçando negociações com as farmacêuticas para comprar diretamente seus medicamentos, a preço bem reduzido. Idem para hospitais, seguradoras e empresas de planos de saúde. E o próprio governo americano, que compra medicamentos para distribuição gratuita aos idosos, também reclama preços menores.

Em países com medicina altamente estatizada, como Canadá e Japão, a pressão governamental é ainda mais forte.

E nessa fila, chega o Brasil, que, neste caso, se alinha ao grupo de países mais pobres que precisam de medicamentos baratos para programas sociais.

Tudo considerado, as coisas mudaram de várias maneiras. As multinacionais farmacêuticas, por exemplo, tornaram-se mais flexíveis e aceitaram políticas de preços diferentes ? preços sociais ? conforme o nível de renda dos países. Foram levadas às mesas de negociação.

Mas a base das mudanças é a legislação internacional, no âmbito da Organização Mundial de Comércio, que coloca restrições à propriedade intelectual e às patentes, como a regra do licenciamento compulsório utilizada pelo governo brasileiro no caso recente do Efavirenz.

Essa legislação começou a ser instituída em 1995 e foi consolidada em 2003. Se espírito é combinar o capital com o social, o interesse econômico do ?big pharma? com as políticas públicas de saúde. Só que, bem vistas as coisas, o interesse do ?big pharma? é universal ? porque se o seu negócio não for remunerado, simplesmente não haverá novos medicamentos.

Esse o dilema, que trataremos na próxima coluna.

Publicado em O Estado de S.Paulo, 14/05/07

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