O GOVERNO GASTA DEMAIS

. As razões da chiadeira Engraçadinhos x turma do liberou geral Dizem os diretores do Banco Central (BC), na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom): "É inegável que reduções nos gastos públicos reforçam a ação da política monetária no controle da inflação e que o aprofundamento do processo de melhora nas contas públicas abre ainda mais espaço para a redução das taxas de juros." Diz o presidente Lula: "Engraçadinhos!" É isso mesmo, foi o que disse na quinta-feira passada. "Toda vez que a gente fala em fazer alguma coisa, aparece um engraçadinho na imprensa, na TV ou, quem sabe, no Congresso: vai gastar muito, vai gastar muito…" Outro engraçadinho duplo, pois está na imprensa e no Congresso, é o deputado Delfim Netto (PP-SP). Delfim entende que o governo deveria apresentar uma nova política econômica, com o compromisso definido de zerar o déficit público nominal, isso exigindo um profundo corte nas despesas de custeio. Mas o título de engraçadinho-mor certamente vai para o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que acaba de convencer o presidente a assinar decreto cortando R$ 16 bilhões de gastos do orçamento aprovado pelo Congresso Nacional. É uma tesourada funda e parece que a intenção foi justamente demonstrar compromisso renovado com a austeridade fiscal. Renovado porque o governo desandou a gastar no ano passado. Mais que isso. Tirante os engraçadinhos da Fazenda, do Planejamento e do BC, o governo Lula não apenas gastou como anunciou que agora seria assim: passada a crise, liberou geral. No embalo, vários gastos já foram contratados para 2005. Por exemplo, o aumento do salário mínimo, os reajustes concedidos ao funcionalismo e as contratações de mais servidores. Renovou-se também a onda de contratações e reajustes no Judiciário e no Legislativo, isso culminando com a proposta de se elevar o salário dos deputados para R$ 21 mil, acompanhando os vencimentos dos juízes do Supremo Tribunal Federal, que também querem reajuste neste ano e no próximo, para R$ 26 mil. Detalhe: vencimentos de parlamentares federais e de juízes do Supremo são parâmetro para toda a categoria. Sobe lá em cima, vai subindo em cascata até o vereador da menor cidade e o juiz recém-nomeado. Os vereadores de São José dos Campos, no interior de São Paulo, nem esperaram. Já se concederam reajuste de 60%, de R$ 4.500 para R$ 7.200, alegando que estavam há cinco anos sem aumento. Não justifica. Apenas indica que os vencimentos de suas excelências eram bons há cinco anos. Mas assim vai. Os juízes do Superior Tribunal de Justiça renovam a frota de Ômegas importados – e dizem que estão fazendo economia porque os carros novos têm garantia e não dão oficina. Pode haver argumento mais estúpido? É como dizer que se economiza trocando um Opala antigo por um Mercedes zero. Governo, em qualquer país do mundo, tem uma tendência natural a aumentar gasto. É lógico. Primeiro, são as demandas da própria máquina. Depois, as pessoas estão sempre demandando algo, quase sempre justo e necessário – certamente mais necessário que Ômegas. As pessoas querem uma escola, um hospital, mais polícia nas ruas, boas estradas e assim por diante. As demandas nunca cabem nas receitas, de modo que o governante tem apenas duas possibilidades: negar certos gastos e aumentar impostos para atender a outros. No ano passado, o governo aumentou impostos e gastou mais. Lula gostou. Achou, como disse inúmeras vezes, que tinha chegado a hora de fazer. Pelo que disse na última quinta, continua achando. Mas ainda bem que se rendeu ao engraçadinho Palocci. A verdade é que o governo criou armadilhas para si mesmo. Seus ministros, até cobrados pelo presidente para que gastassem, saíram a se comprometer com projetos e obras e, sempre, mais funcionalismo. O gasto disparou no ano passado e foi coberto com o extraordinário aumento de arrecadação. Ora, o que acontece se a arrecadação não crescer tanto neste ano? Aliás, é provável que não cresça. Primeiro, porque a economia deve ter expansão menor e, segundo, porque a sociedade não tolera mais aumento de impostos – como demonstra a reação à Medida Provisória 232, que reduz o Imposto de Renda da pessoa física e aumenta tributos de empresas prestadoras de serviços. Esse truque da Fazenda – enfiar um aumento de impostos numa medida que era para reduzir – já refletia a preocupação de que os gastos ameaçavam avançar mais depressa que a arrecadação. E, se não dá para elevar a receita, não há saída senão cortar despesa. Nisso Lula tem razão. Há cada vez mais engraçadinhos na praça, o que é bom, ao contrário do que reclama o presidente. O governo no Brasil gasta muito – e sabemos disso comparando com outros países emergentes. Em conseqüência, arrecada muito mais imposto – carga tributária de 36% do produto interno bruto (e talvez mais no ano passado), ante 25%, em geral, nos países parecidos. A proposta de Delfim Netto acerta na mosca. Uma meta de zerar o déficit público, pela via do corte profundo de gastos, aumentará em muito a credibilidade do País, permitindo também uma boa redução dos juros. E sabemos que funciona: países como Irlanda, Finlândia e Dinamarca fizeram isso com enorme sucesso. Dizem que os gastos públicos no Brasil são muito rígidos e engessados, sendo impossível cortá-los. Há verdade nisso. Mas, como dizia outro dia o economista Claudio Haddad, se deu para aumentar o gasto, deve ser possível cortar pelo menos essa parte. O fato é que há hoje um choque de posições. De um lado, muito gente no governo querendo entrar num clima de liberou geral. De outro, cada vez mais engraçadinhos querendo cortar gastos. Quem sabe os engraçadinhos começam a ganhar? Publicado em O Estado de S.Paulo, 28 de fevereiro de 2005  

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