O FRIO, O ÁLCOOL E A DEMAGOGIA

. CONFISCAR BOI NO PASTO, EM NOVA VERSÃO   Os mais jovens não se lembram, mas em 1987 o então ministro da Fazenda, Dilson Funaro, mandou a Polícia Federal confiscar boi no pasto. O quadro era o seguinte: o congelamento de preços do Plano Cruzado fazia água por todos os lados. Não havia bases econômicas para a estabilidade da moeda, que se tentava segurar artificialmente com o congelamento. Como já havia ocorrido em centenas de países, ao longo de centenas de anos – imperadores romanos já faziam isso – também o congelamento do Cruzado não funcionou. Nos supermercados ou nos açougues, não se encontrava a carne (e outros produtos) ao preço congelado. Na porta ao lado, havia de tudo, mas a preço de mercado negro. O ministro ameaçava os supermercados e açougues, mas estes diziam que não encontravam carne para comprar nos frigoríficos. E os frigoríficos diziam que não encontravam boi. Logo, o pecuarista impatriota estava segurando o boi no pasto. O ministro mandou confiscar. Foi cômico – camburões da PF, com policiais e fiscais que nunca tinham visto um boi pela frente, tentando capturar animais. Deu no que tinha de dar: desmoralização do governo e por fim o mercado e as forças da economia terminaram por se impor. Acabou o congelamento na marra, com uma brutal alta de preços. Voltemos a hoje: a seca e o frio destruiram algo como 20% da safra de cana de açúcar da região Centro Sul. Na escassez, subiu o preço do álcool e do açúcar, já com impacto nos índices de inflação. O caso crítico é o dos combustíveis: sobe na bomba o preço do álcool e o da gasolina, que tem uma mistura de álcool. Hoje (04/08) no final da manhã, o ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, anunciou medidas para, como disse, impedir a especulação com o preço dos combustíveis. Informou que a mistura de álcool na gasolina será reduzida de 24% para 22%, que o governo vai leiloar estoques de álcool e ameaçou confiscar os estoques de álcool de propriedade do setor privado. Por que o caso ficou tão grave para o governo, a exigir ameaças desse porte? Essa alta de preços, resultante de uma escassez temporária, deveria ser um fato da vida, digo da economia. Ocorre que vem em cima de altas anteriores, essas aplicadas pelo governo, que vem promovendo um tarifaço desde o final de maio (energia elétrica, telefone, combustíveis e pedágios e transportes). Pode até haver motivos razoáveis para a alta de tarifas – mas o fato é que alavancou a inflação e teve efeito extremamente negativo para o governo FHC. Agora que o setor privado tem seus motivos para elevar o preço do álcool, o governo resolve impedir a "especulação". Mesmo que haja especulação danosa para o consumidor, o jeito de enfrentar é tomar medidas que aumentem a oferta ou reduzam o consumo. Assim, leiloar estoques do governo, está certo. Poderiam também pensar na liberação da importação de álcool e, por que não?, liberação geral da importação de qualquer tipo de combustível, hoje sob controle da Petrobrás. Reduzir a mistura de álcool na gasolina também faz sentido. A obrigatoriedade legal da mistura cria uma demanda artificial para o álcool. Pode-se reduzí-la. Agora ameaçar confiscar álcool dos estoques privados – isso é pura demagogia. Primeiro, que não pode. A menos que o ministro Pratini pense que ainda está nos tempos da ditadura. Já pensaram? Imaginem que a Ambev resolva exportar sua produção, porque o preço lá fora é melhor. Aqui dentro vai ocorrer uma de duas: ou o preço sobe, para equilibrar com o do mercado internacional, ou, se o governo quiser que a Ambev não "especule", vai faltar cerveja. O que vai fazer o governo? Confiscar a cerveja e distribuí-la ao povo? A ameaça pode até dar voto num momento, mas a farsa logo aparece. Em resumo, em vez de demagogia, o governo deveria era organizar uma política séria e consistente para o setor. Hoje, o agricultor brasileiro nunca sabe se o mercado é livre ou se o governo vai manter ou retirar ou modificar subsídios e estímulos. Claro que há muito usineiro ineficaz que só quer dinheiro público. Mas isso porque o governo ainda não disse se vai ou não dar esse dinheiro.  

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