O BC NA CAMPANHA?

—O BC está querendo mudar sua avaliação siobre a economia brasileira por quê?—

Vamos falar francamente: o Banco Central dá sinais formais e informais de que gostaria muito de encerrar o mais rápido possível o ciclo de alta da taxa básica de juros. Não poderia ter feito isso na reunião da última quarta-feira, porque entraria em total contradição com sua avaliação, expressa em documentos anteriores, segundo a qual a economia brasileira estava crescendo bem mais do que podia, isso gerando pressão inflacionária ampla. Mas com a decisão de aumentar a taxa em ?apenas? 0,5 ponto percentual, contra a expectativa majoritária de 0,75, e com o comunicado em que explica essa desaceleração, o BC prepara uma mudança de avaliação. Esta deve ser formalizada na próxima quinta-feira, quando o BC divulga a ata da última reunião e ali detalha fundamentos da decisão da semana passada, quando a taxa básica de juros foi de 10,25% para 10,75% ao ano.
No breve comunicado da última quarta, o BC diz que houve uma ?redução de riscos? para a inflação, por causa de mudanças recentes aqui e lá fora. Podem ser encontrados números para isso.
O principal certamente foi o IPCA-15 de junho, índice IBGE, que mostrou queda da inflação mais forte e mais espalhada do que se esperava. Outro: o Índice de Atividade Econômica do próprio BC indicando que a economia brasileira não cresceu em maio. E mais: o gasto público, um dos fatores de aquecimento citados pelo BC, entra agora numa fase de contenção obrigatória, por causa das regras eleitorais.
Lá de fora, o sinal veio em discurso do presidente do Fed, o BC americano, Ben Bernanke, feito no mesmo dia da reunião do BC brasileiro e dizendo que a economia dos EUA talvez precisasse de estímulos adicionais para contrabalançar uma recuperação ainda frágil. Isso se somou a dados sobre dificuldades na Europa e desaceleração na China. Falava-se mesmo, há duas semanas, em risco de nova recessão nos EUA (o segundo mergulho).
Colocando tudo isso no caldeirão, resulta: forte desaceleração do crescimento brasileiro e inflação cedendo, isso em um ambiente mundial de paradeira. Assim, pode-se brecar a alta de juros por aqui.
Faz sentido. Alguns analistas independentes importantes, entre aqueles que ?acreditam? no regime de metas de inflação, haviam se antecipado nessa direção.
Mas muitos outros, a maioria, achavam que não era o caso ? e isso com base nos últimos textos do próprio BC. Nesses documentos havia argumentos ? no sentido de uma alta mais forte de juros ? que não foram desmontados pelos novos fatos.
Por exemplo: na ata de junho, o BC dizia que a ?demanda doméstica?, o consumo local, permanecia forte em consequência de fatores como ?o crescimento da renda e a expansão do crédito?.
Ora, como indicou o IBGE no dia seguinte à reunião do BC, o crescimento da renda dos trabalhadores (consumidores) continua expressivo em qualquer base de comparação. E a expansão do crédito às famílias segue bastante robusta, conforme dados do próprio BC.
O gasto público tem limites eleitorais, é verdade, mas houve muita antecipação de despesas e, sobretudo, aumentos generalizados de salários do funcionalismo e das aposentadorias, um conjunto que, como gosta de justificar o governo, ?injeta? bilhões de reais no consumo local.
Em resumo, é bem possível que a forte desaceleração recente da inflação e da atividade econômica tenha sido um fenômeno mais localizado no segundo trimestre do ano, espécie de ressaca diante do crescimento claramente exagerado de 10% anualizado no primeiro trimestre – além dos efeitos férias e Copa, esta reduzindo compras de tudo que não tem a ver com futebol. E se for assim, o aquecimento (com a pressão inflacionária) retorna desde já.
Reparem dados nessa direção, apontados em reportagem do Estado na última sexta: empresas importam cimento para dar conta do crescimento das obras residenciais e de infraestrutura faltam pneus para caminhões e ônibus tem fila de espera para comprar caminhão portos congestionados com exportação, mas também com importação, que cresce a quase 50% ao ano os índices de confiança do consumidor e dos empresários estão em nível recorde a criação de emprego com carteira desacelerou em julho, mas deve ter sido por causa das férias.
E lá fora? Aí o BC até que deu azar. No dias anteriores à reunião da última quarta, e nessa data, o ambiente global era bastante depressivo. Um dia depois da reunião, porém, os sinais se inverteram: bons indicadores ? ou, se quiserem, menos ruins nos EUA os bancos europeus passando bem nos testes que avaliaram seus riscos confiança do empresariado em alta recorde na Alemanha Inglaterra emplacando nove meses seguidos de crescimento, indicando que as maiores economias européias têm desempenho bom companhias americanas mostrando bons lucros Bernanke dizendo que novos estímulos ainda não são necessários e o primeiro-minstro dizendo que a China só vai crescer um pouco menos, mas continua em expansão forte.
Tudo isso leva de volta ao diagnóstico anterior: a recuperação da economia mundial não é uma moleza, é desigual, mas ainda é uma boa recuperação. E, mais que isso, os governos e BCs estão preparados para voltar a intervir se a economia privada fraquejar.
E aí, como ficamos?
Toda a tese anterior do BC brasileiro ? de que a nossa economia estava consumindo mais do que produzia e importava ? permanece sustentável. Isso exige mais alta de juros (como aliás estão fazendo outros países emergentes).
Mas também se pode antecipar que há uma desaceleração local e global já em curso, o que dispensa novas altas de juros ? que é a tese à qual o BC parece agora querer se associar.
Seria mera coincidência que esta tese se ajeita melhor às necessidades políticas do governo Lula e sua candidata?
O BC de Henrique Meirelles trabalhou com independência e transparência inequívocas desde 2003. Derrubou a inflação e a taxa real de juros. Tem moral, portanto.
Mas os últimos passos foram, digamos, algo diferentes, esquisitos. Será preciso ler com lente mais forte a ata que sai nesta quinta.

Publicado em O Estado de S. Paulo, 26 de julho de 2010

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