AGENDA DE CRESCIMENTO E AMBIGUIDADES DO GOVERNO

. Em busca de harmonia O desafio de Lula é unificar o discurso de sua equipe para promover uma série de reformas que podem destravar o crescimento econômico   Quando disse que as taxas de juros já tinham cumprido seu papel, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, deixou dois recados, um para o curto, outro para o médio prazo. O primeiro pode ser assim traduzido: não esperem grandes reduções da taxa básica de juros, pelo menos nada parecido com a queda dos 26,5% para os atuais 16%. Para o médio prazo, a mensagem é a seguinte: o crescimento depende da retomada forte dos investimentos privados e de ganhos de eficiência nos investimentos públicos. Para impulsionar esse duplo movimento, são necessárias leis que tramitam no Congresso Nacional e ações políticas e administrativas do governo. Ou seja, a economia, no momento, depende da política. Começando pelo curto prazo: a inflação estará em alta nestes meses de junho e julho, por uma combinação de fatores externos e internos. Lá de fora vem a alta do petróleo que, mais cedo ou mais tarde, tornará mais caros os combustíveis. Vem também a alta dos juros americanos, que leva, aqui, à elevação dos juros e desvalorização do real. O dólar mais caro contrata inflação. Aqui, há reajustes de tarifas de telefone e energia elétrica, previstos nos contratos, e problemas pontuais, como chuva e frio fora de hora, que elevaram preços de alimentos. Em maio, a inflação de doze meses, medida pelo IPCA, índice do IBGE que é a referência do Banco Central, fechou em 5,1%. Ficou abaixo, portanto, do centro da meta para o ano todo, que é de 5,5%. Mas neste mês e no próximo, a taxa anualizada deve encostar nos 7%, o que ainda estará dentro da margem de tolerância (até 8%), mas perigosamente em aceleração – e isso não é ambiente para o BC reduzir a taxa básica de juros. O mercado entendeu isso. A inflação esperada para o final deste ano tem subido toda semana, conforme indica o boletim Focus, edição do BC que resume o cenário traçado por mais de uma centena de instituições financeiras, consultorias e institutos de pesquisas. Na última medida, divulgada dia 14 deste mês, o IPCA para este ano chegou a 6,61%. Em abril, era de 5,5%. Também está em alta a expectativa para o dólar no final deste ano: R$ 3,10 na última pesquisa, contra uma previsão de R$ 3,00 também em abril. Em consequência, a expectativa para a taxa básica de juros (a taxa Selic), em dezembro próximo, também escalou, de 13,4% em janeiro para 14,75% na pesquisa divulgada em 14 de junho. Resumindo: a inflação deste ano vai ultrapassar o centro da meta (os 5,5%), mas permanecendo dentro da margem de tolerância de 2,5 pontos acima. Se quisesse forçar a inflação para os 5,5%, o Comitê de Política Monetária do BC, Copom, deveria elevar os juros, o que colocaria um freio na retomada do crescimento econômico. Como não pretende fazer isso, o BC vai acomodar esse desvio da meta, sendo cauteloso agora e só voltando a reduzir os juros, moderadamente, em pílulas, a partir de julho ou agosto, quando tiver certeza que inflação está de novo em queda. E dá para crescer assim? Os juros reais no momentosão inferiores a 10% ao ano, quando se computa uma inflação esperada de 6% pra os próximos 12 meses. Em 2000, último ano de crescimento razoável do Produto Interno Bruto (4,4%), a taxa real de juros foi um pouco superior aos 10%. Portanto, é possível ter crescimento. Essa, aliás, é a expectativa do mercado: uma expansão real do PIB neste ano entre 3,5% e 4%, com alguma redução da taxa de desemprego. Mas há também um amplo entendimento de que isso é pouco. Como fazer mais? Entra aqui a segunda parte do recado de Palocci: mais investimentos privados e mais eficiência para os investimentos públicos, já que o volume destes últimos está limitado pelo aperto dos orçamentos. E assim desembarcamos na política. Os investimentos privados dependem, é claro, das condições macroeconômicas, no momento razoavelmente propícias. Mas dependem também do ambiente político-institucional. Exemplo: mesmo que a taxa de juros fosse zero, qual empresa se animaria a construir uma estrada no Paraná, onde o governador Roberto Requião se dedica a melar contratos? De outro lado, mesmo com a taxa de juros altas como estão, por que os bancos relutam em emprestar dinheiro para o setor privado? Por falta de garantias legais e jurídicas para o recebimento dos créditos.Esse é o ambiente que precisa ser modificado – e há muita coisa em andamento. Tramita no Congresso: a nova Lei de Falências, prioridade um do Ministério da Fazenda, que dá mais garantias aos credores e permite recuperação das empresa. Há ainda o projeto das Parcerias Público-Privadas (PPPs), para facilitar grandes investimentos em infraestrutura, o projeto que regulamenta o funcionamento das agências reguladoras, o marco regulatório do setor elétrico, os projetos que facilitam e dão garantias ao financiamento imobiliário, o projeto de lei de biossegurança, a reforma do Judiciário e a tributária, especialmente no aspecto de unificação e simplificação do ICMS. É uma boa agenda, cuja realização depende da ação do governo e dos partidos aliados no Congresso. O problema é que, enquanto Palocci empurra essa agenda, outra parte do governo e seus amigos se dedicam a atrapalhar investimentos (como o MST e os ambientalistas ideológicos) e/ou a pedir o desmonte da atual política econômica. Some-se a isso tudo com a ambiguidade do presidente Lula, que ora promete aos empresários o respeito os contratos (e já é ruim ter de fazer essa promessa) e ora deixa correr a ação do pessoal do fogo amigo, hostil a tudo que pareça capitalismo e negócios que dão certo, como o agronegócio. Um exemplo dessa ambiguidade: alguns projetos de lei visam reconstituir um ambiente regulatório destruído pelo próprio governo, com ações contra as agências e contra os contratos supervisionados por elas. Não é fácil, mas é isso aí, boa parte do crescimento potencial da economia depende do Congresso e da eficiência política do governo Lula. Publicado na revista Exame, edição 820, data de capa 23/junho/2004

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