O CAPITALISMO DE HOJE

. A história de Greenspan

Acreditem, Alan Greenspan conta até histórias divertidas em seu livraço ?A Era da Turbulência?, da editora Campus. Exemplo: depois de dois anos de relacionamento profissional com a jornalista de tevê Andrea Mitchell, que cobria política e economia para a rede NBC, ele como fonte regular de informações, Greenspan animou-se a convidá-la para um jantar a dois, no Le Perigord, de Nova York. Encantou-se com a moça e pensou numa estratégia para prolongar a noite em seu apartamento. A melhor idéia que lhe ocorreu: convidou-a para ler um ensaio que escrevera sobre … monopólios. Andrea topou, foi e leu. Disse depois que entendeu estar sendo testada.
Passaram a namorar, mas só vieram a se casar em 1997, treze anos depois. Conta Andrea que Greenspan, treinado no discurso dissimulado de presidente do Federal Reserve, Fed, o banco central dos Estados Unidos, fazia o pedido no jargão econômico, de modo que ela, mesmo sendo jornalista, nunca sabia bem do que se tratava. Greenspan admite ter feito cinco pedidos de casamento, até ela entender e aceitar.
Ontem, aliás, o Fed reduziu a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 4,5% ao ano, assim explicando: o Fed ?julga que, depois desse ato, os riscos de alta da inflação equilibram-se irregularmente com os riscos de queda do crescimento?. Sacaram?
Mas quem enfrentar as 520 páginas de Greenspan passará a entender muito melhor o funcionamento do Fed, o mais importante banco central do mundo. A propósito, o livro é tranquilizador nesse aspecto. Mostra o impressionante sistema de informação colocado à disposição dos membros do comitê de política monetária. Vai desde detalhadas e ricas análises teóricas, até dados exaustivos sobre a economia real, americana e mundial, e, finalmente, informações pessoais.
Por exemplo: o presidente do Wal Mart liga para o presidente do Fed e diz que as vendas tiveram queda inesperada nos últimos dois dias. O pessoal da BC japonês avisa que ainda não sabe por que, mas sabe que os bancos de Tóquio suspenderam negócios com o mercado financeiro da Coréia, ali ao lado. Um outro informante relata que sumiu o cimento no Meio Oeste.
Tem-se a impressão de que o Fed sabe de tudo. Ou melhor, de tudo, não, pois o próprio Greenspan relata surpresas com as quais topou. Mas certamente o Fed, com dois mil economistas de primeiro time (dois mil!) e sua rede auxiliar, sabe muito mais do que todos os outros participantes do mercado.
Só por isso, o livro já seria sensacional. Mas há muito mais. Os relatos sobre as grandes crises econômicas e financeiras ? e como os governos e instituições monetárias as administraram ? são imperdíveis. Mostra que há muito mais coordenação entre os principais bancos centrais do que se imagina.
Também é fascinante o relato sobre como se conheceram, pouco a pouco, os impressionantes efeitos do avanço tecnológico e sua capacidade de destruição criativa.
Por trás de tudo, há uma sábia reflexão sobre como se formou o mundo contemporâneo, como tudo veio desembocar no triunfo do capitalismo de mercado e da globalização. A história vem dos anos 40 até hoje, período em que Greenspan, começando como saxofonista de orquestra de jazz, estudante de música ao lado de Stan Getz, tornou-se economista e, pouco a pouco, um dos mais importantes formuladores e executores de política econômica da era atual.
O relato vem na primeira pessoa, o que tem a vantagem de tornar a linguagem menos técnica e mais acessível às pessoas pouco versadas em economia.
Nenhum tema relevante escapa a Greenspan. Depois do relato histórico, o livro se concentra em questões que vão moldar o futuro: China, tipos de capitalismo, prós e contras, riqueza, pobreza e desigualdade de renda, educação e renda, a fatal escassez de energia, aposentadorias, a universalidade do crescimento econômico e, um assunto que nos é caro, o populismo na América Latina.
Bem que o MEC poderia incluir esse livro entre os didáticos. A juventude brasileira estaria bem mais preparada para hoje e para o futuro.

Publicado em O Globo, 01 de novembro de 2007

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