O BANCO CENTRAL E O CRIME

.  Tudo culpa do Banco Central?
Então está explicado: é tudo culpa dos juros altos. Como a atividade econômica não gera os empregos necessários, disse na última sexta o vice-presidente José Alencar, o jovem torna-se ?presa fácil dessas aventuras? e cai no crime.  Para Alencar, não há problema no aparelho de segurança. Garantiu que a PM de São Paulo é ?quase tão eficiente quanto a PM de Minas? e concluiu: ?Não posso admitir que seja defeito da polícia?.     
Assim, o que se tem a fazer é pressionar o Banco Central para que reduza os juros.     
A tese não é nova e, na verdade, há duas variantes. Uma associa pobreza ao crime; a outra relaciona desigualdade social e criminalidade. Nenhuma tem confirmação empírica. Admite-se que a desigualdade social muito forte tem alguma relação com o crime, mas uma relação fraca, acessória, não sendo a explicação principal.     
Não é difícil fazer a análise. Basta comparar índices de pobreza ? e sua evolução ? com os números da criminalidade. Seria preciso verificar que quanto mais pobre o país, maior a criminalidade ? e isso está longe da verdade. Há países muito mais pobres que o Brasil com menos criminalidade.     
Por outro lado, seria preciso verificar que a criminalidade varia conforme a evolução do PIB ? e também não é verdade. No Brasil, já tivemos aumento da criminalidade tanto em momentos de expansão quanto de baixo crescimento.     
Hoje, por exemplo, o país está em crescimento, com queda do desemprego e recuperação da renda. Não é tão brilhante como em outros países, mas este é o terceiro ano seguido de crescimento. Ao mesmo tempo, diversos indicadores sociais têm mostrado um avanço geral nas condições de vida, mesmo na regiões metropolitanas, o foco do crime. De novo, pode não ser tão rápido quanto se deseja, mas a pobreza caiu e mesmo a distribuição de renda teve ligeira melhora.     
Se fosse correta a tese da relação direta crime/economia, este deveria ser um momento de redução do problema.     
Em países ricos, estudos recentes encontraram situações diversas. No Japão, por exemplo, que passou por um longo período de recessão, houve um aumento da criminalidade que, como quer José Alencar, foi associado à deterioração das condições econômicas.     
Mas, em período próximo, houve aumento da criminalidade na Inglaterra em um momento de forte crescimento econômico, com baixo desemprego e ganhos de renda pessoal. Finalmente, nos Estados Unidos, a criminalidade caiu acompanhando uma fase de sólida expansão.     
Tudo considerado, ao contrário do que pensa nosso vice-presidente, trata-se, sim, de problema de polícia e de sistema judiciário. Duas relações parecem muito fortes. Uma vem dos Estados Unidos, que têm, proporcionalmente, a maior população carcerária do mundo. Quanto mais gente na cadeia, menor o número de crimes, isso ficou bem demonstrado. Faz sentido: se os bandidos estão presos, não estão assaltando, não é mesmo, meu caro Watson? (O que não vale para o Brasil, mas isso é outro problema). A outra relação forte tem a ver com o número de casos esclarecidos. Verificou-se que a criminalidade é menor naqueles lugares em que a polícia tem maior índice de esclarecimento de casos. Haverá tanto menos crime quanto maior for a probabilidade de o criminoso ser apanhado e condenado. Essa expectativa é muito mais inibidora do que, por exemplo, a fixação de penas pesadas. O sujeito sabe que pode pegar 30 anos, mas isso não é nada se for remota a chance de ser capturado. Isso significa que a polícia mais eficiente não é aquela que tem mais homens ou veículos, embora esse aparelhamento seja necessário para o policiamento preventivo. É eficiente aquela que mais esclarece os casos. Ou seja, o que faz falta são os serviços de inteligência, que dependem de tecnologia e profissionais preparados. E se isso é verdade, o problema aqui tem sido muito mal tratado. A violência ostensiva dos carros da Rota é tão ineficiente, como política anticrime organizado, quanto investimentos em programas sociais. Sob pressão, os governos têm aumentado gastos em carros para a polícia e na assistência aos mais pobres, mas isso, embora sempre necessário, não terá efeito sobre a criminalidade tal como se manifesta em São Paulo e no Rio. Nos itens mais importantes ? presídios e eficiência policial ? a situação aqui vai obviamente mal. Nem é preciso falar dos presídios e é ridículo o índice de solução de casos. Resumo da ópera: precisamos de mais repressão e de mais polícia, mas de polícia inteligente, o que exige política mais complexa e talvez mais cara do que comprar carros. O Banco Central não tem nada com isso, mas continua devendo a redução dos juros. Publicado em O Estado de S.Paulo, 22/maio/2006

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