LULA, A ÚLTIMA ESPERANÇA DO FMI

. Lula pode salvar Davos. E Porto Alegre? A conclusão é a seguinte: Lula é a melhor esperança de Davos. O roteiro que leva a isso é o seguinte: o movimento contra o neoliberalismo, que em boa parte é um movimento contra o capitalismo, veio num crescendo nos últimos quatro anos, desde que cessou o grande ciclo de expansão da década de 90. Entretanto, esse movimento não havia gerado um líder que, vindo da esquerda antineoliberal, fosse uma opção efetiva de poder, isto é, alguém que conseguisse formar maioria para ganhar a eleição e governar sem rupturas. Até que Luís Inácio Lula da Silva, em uma eleição democrática impecável, recebe o desejo de mudança de 54 milhões de votos e começa a governar um país tão importante como o Brasil com uma política econômica clássica. Apesar disso, quando se olha da esquerda, e por causa disso, quando se olha do centro, esse presidente vem agregando apoio desde a eleição, a tal ponto que seu índice de aprovação hoje supera de muito os votos obtidos em outubro passado. Eis aí, manutenção das bases recomendadas pelo FMI e pela liderança econômica internacional de Davos (superávit primário nas contas públicas, em especial, juros altos contra a inflação, autonomia do Banco Central) e conflito zero na sociedade, na política e na diplomacia. Melhor do que isso: além de não estimular conflito, Lula atraiu apoio quase unânime para seu carro-chefe, o programa Fome Zero. E finalmente, como mostrou na semana passada, agrega também pelo mundo afora. É o cara que faltava – tal foi a conclusão do pessoal do Fórum Econômico do Davos – executivos,banqueiros e investidores internacionais, líderes de governos enquadrados, mais ou menos, na recente versão do capitalismo, e dirigentes de organismos internacionais, a serviço desse mesmo regime. A situação desse pessoal se tornara bastante incômoda. O mundo não está crescendo, há problemas graves no coração do capitalismo, tudo formando um ambiente no qual as crises são muito mais dolorosas para os países emergentes e pobres. Com a globalização funcionando bem, em período de crescimento, todos vão para a frente. Os mais ricos, em geral, vão mais depressa, acumulam mais, o que cria um desconforto político, mas não uma barreira insuperável. Afinal, todos ou quase todos estão ganhando, é uma questão de ganhar mais ou menos. E sempre fica a esperança de que se poderá pegar o trem mais rápido. Quando não há crescimento, todos perdem renda e emprego – e os ricos podem até perder mais justamente porque eram os maiores beneficiários da expansão. Isso vale para países e para as pessoas dentro de um país. Eis um exemplo local: a última pesquisa Dieese/Seade, divulgada na semana passada, mostrou que, no ano passado, na região metropolitana de São Paulo, os 10% de trabalhadores com os maiores rendimentos apropriaram 40,8% da renda total, uma pequena perda em relação aos 41,2% que levaram em 2001. Já os 50% com os menores rendimentos ficaram com 17,5% da renda total, um pequeno ganho sobre a parcela de 17,1% que haviam recebido no ano anterior. Ou seja, a distribuição de renda melhorou, mas por um mau motivo – todos perderam sendo que a classe média e os mais ricos perderam mais. Mesmo nessas circunstâncias, porém, a situação dos mais pobres é obviamente muito pior. Países ricos ficam apenas menos ricos. Países pobres, que precisam crescer aceleradamente, afundam quando não há crescimento. Que fazer? A receita clássica de Davos recomendava insistir nas políticas econômicas ortodoxas, na conclusão das reformas, na abertura e no comércio externo. Paciência, que em um dado momento o ciclo de crescimento se restabelece. Enquanto isso, as ruas pegavam fogo. Não se conseguia fazer uma reunião internacional sem um ostensivo aparato de segurança para ao menos manter os protestos à distância. E o fórum Social Mundial de Porto Alegre, o anti-Davos na sua terceira edição, atraía os antineoliberais de toda parte, ganhava espaço na imprensa internacional e a atenção de cada vez mais pessoas. O mesmo quadro visto pela esquerda também não apresentava sinais animadores. É verdade que o pessoal do Fórum de Porto Alegre decretou a morte do neoliberalismo, considerou Davos moribundo e … e aí? O que colocar no lugar? Considere-se o Partido Socialista de Lionel Jospin, inicialmente saudado como uma espécie de anti-Tony Blair, já que este, também vindo da esquerda, teria ido muito além do centro no seu processo de moderação. Pois o Partido Socialista perdeu as eleições fragorosamente e até hoje o pessoal discute se perdeu porque foi demais à esquerda ou demais ao centro. No mundo emergente, qual a alternativa que se apresentou nos últimos anos a um, digamos, Fernando Henrique Cardoso? O presidente Hugo Chavez foi recebido como herói no fórum de Porto Alegre, mas é claro que se tratava de solidariedade emocional. Tirante os mais extremados, o modelo Chavez não inspira ninguém. Enfim, como disse o presidente do PT, José Genuíno, respondendo a críticas da esquerda ao início do governo Lula, nenhum governo de esquerda deu certo nos últimos tempos. Em Davos, poderiam dizer que governos de direita também não estão funcionando muito bem. Aí vem Lula. Na semana passada, o banco de investimentos Morgan Stanley recomendou a seus clientes que comprassem mais títulos externos do governo brasileiro. Quando o então candidato Lula começou a subir nas pesquisas, esse banco foi dos primeiros a recomendar que se vendessem os papéis brasileiros, pois esperava um governo de esquerda à antiga, populista, que levaria à desorganização das finanças públicas, inflação e calote. Exatamente o temor que fez disparar o dólar e o risco Brasil. Há duas semanas, o Morgan Stanley já havia recomendado que seus clientes vendessem um pouco de papéis mexicanos e comprassem Brasil. Na sexta passada, sugeriu que se aumentasse ainda mais a carteira de papéis brasileiros, concluindo o que os seus analistas, numa autocrítica pouco usual no meio, definiram como “nossa reviravolta dramática em relação à recomendação para Brasil”. Reviravolta dramática. Algo parecido ocorreu em Davos. Suponha que o governo Lula dê certo, ou seja, que realize os propósitos até aqui anunciados para a economia e para o social. Ao cabo de um certo tempo, o país estará assim: inflação baixa e controlada, dívida pública contida graças ao superávit primário maior, contas públicas equilibradas depois da reforma da Previdência, contas externas equilibradas graças ao bom desempenho do comércio externo, risco Brasil, isto é, taxas de juros externas e internas em queda, retomada do crescimento e do emprego. Ao mesmo tempo, no social, a pobreza e a desigualdade estarão sendo reduzidas em consequência dos programas simbolizados no Fome Zero. Será a salvação de Davos. A prova de que é possível fazer política econômica clássica, preservar o capital e o mercado nacional e internacional e, ao mesmo tempo, atender as demandas sociais. A fórmula não é novidade. Os socialistas do Chile, liderados pelo presidente Ricardo Lagos, já disseram: você tem de ser conservador na economia para poder ser progressista no social. (Não é mera coincidência que o ministro Antonio Palocci tenha dito, na semana passada, em Davos, que o governo será tradicional na macroeconomia, criativo no desenvolvimento e agressivo no comércio externo). Mas o Brasil é muito maior que o Chile. Se a coisa funcionar por aqui, Davos será eternamente grato. E o Fórum de Porto Alegre, também estaria passando por uma reviravolta dramática? Ainda não se sabe. Mas esse é o maior desafio de Lula, convencer e persuadir o seu próprio lado. Publicado em O Estado de S.Paulo, 03 de fevereiro de 2003

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