O BRASIL ESTÁ CRESCENDO

. Números que crescem e preocupam O mercado financeiro continua com os nervos à flor da pele, apreensivo com um cenário externo dominado por petróleo caro e atentados terroristas, uma mistura literalmente explosiva. Mas fora daí, nos meios econômicos mais próximos das atividades de produzir, vender e comprar, o humor das pessoas melhorou depois que o IBGE divulgou os números do Produto Interno Bruto (PIB) referentes ao primeiro trimestre deste ano. O PIB mede o aumento da produção, do consumo, dos investimentos, do comércio externo e dos estoques. É, portanto, uma medida da riqueza nacional, mostra se o país está ficando mais rico ou mais pobre. No ano passado, por exemplo, o Brasil empobreceu. O PIB foi 0,2% inferior ao de 2002, notícia que causou um compreensível desânimo quando foi divulgada, em fevereiro último. Mas uma leitura mais cuidadosa dos números já indicava que o pior havia passado. A história recente é a seguinte: o Brasil bateu no fundo do poço no primeiro semestre de 2003, um momento de recessão e surto inflacionário, a pior combinação possível. Começou a sair dali no terceiro trimestre do ano, esticou a cabeça no período seguinte e, finalmente, saiu do buraco com a atividade econômica dos primeiros três meses deste ano. E, o que é melhor, dados referentes a abril e maio, ainda que provisórios, sugerem que o PIB continua avançando neste segundo trimestre. Natural, portanto, que os números do primeiro trimestre de 2004 tenham sido recebidos com um sentimento entre a animação e o alívio. Confirmaram a retomada. Mas a história não acaba aí. A questão é: o país está iniciando um ciclo de crescimento ou apenas se safou de uma pior? Aqui é o território do debate. Quando se olha para trás, os números estão prontos e acabados. Quando se olha para frente, tudo depende do que as pessoas vão fazer. Em última instância, tudo depende das decisões dos empresários, de investir ou não, e dos consumidores, de ir ou não ao shopping. Depende ainda das circunstâncias externas – do que o pessoal está fazendo lá fora – e, muito especialmente, do que faz o governo por aqui. Tudo considerado, o momento pode ser assim resumido: o ambiente externo ajudou, mas também é verdade que a política econômica do ministro Antonio Palocci funcionou em diversos pontos. Para o futuro próximo, há um bom ritmo de crescimento nos países ricos – o que estimula os negócios mundiais. Mas se o Brasil vai ou não aproveitar esse momento, depende de decisões políticas do governo, do Congresso, dos tribunais, da sociedade. Os números recentes são os seguintes: no primeiro trimestre deste ano, a economia brasileira cresceu 2,7% em relação ao mesmo período de 2003 e 1,6% sobre o trimestre imediatamente anterior, considerando-se ajustes sazonais. O segundo critério – trimestre contra período anterior – mostra melhor a evolução dos fatos. Depois de dois resultados negativos, o Brasil cresceu 0,5% no terceiro trimestre do ano passado, 1,5% no quarto e mais 1,6% no primeiro deste ano. A curva é claramente para cima, o país produz e consome mais a cada período. Ainda assim, há divergências na interpretação. Foi um crescimento “pífio”, decretou a consultoria Globalinvest. Foi “espetacular”, comemorou a Tendências, outra consultoria. A diferença está nas comparações. A primeira consultoria mostra que o Brasil está crescendo menos que a maioria dos países emergentes. Pífio, portanto. Já a Tendências faz outro exercício: toma o último resultado e considera que ele se repete ao longo do ano (anualiza o dado, no jargão dos economistas) e chega a um crescimento de 6,8%, de fato espetacular. Os números estão certos e os critérios são normalmente utilizados pelo mundo afora. Nos EUA, por exemplo, utiliza-se com mais frequência o PIB anualizado, por sinal de 4,5% no momento, menor que o brasileiro, como gosta de destacar o presidente do Banco Central, Henrique Meireles. Mas antes das qualificações, convém dar uma boa olhada nos números do primeiro trimestre, significativos em vários aspectos. Todos os três grandes setores, agropecuária, indústria e serviços, mostraram crescimento em qualquer critério. A indústria, em especial, mostra boa recuperação. Quando se consideram subsetores, o único importante que continua em território negativo é a construção civil, uma circunstância grave. A construção é uma forte geradora de empregos e puxa vários outros setores. É verdade, por outro lado, que a construção civil está menos pior do que no ano passado, o que pode ser interpretado como um início de recuperação. De todo modo, está claro que o setor exige ação de política pública. O Ministério da Fazenda já enviou ao Congresso um conjunto de medidas para destravar o crédito imobiliário. O projeto das Parcerias Público Privado (PPP) e a regulamentação do setor de saneamento seriam importantes estímulos à retomada das grandes obras públicas. As PPPs rolam no Congresso e só agora o Ministério das Cidades está apresentando o seu projeto para o saneamento. Eis aí um exemplo de como a política pode determinar o ritmo de crescimento econômico. Os números do PIB do primeiro trimestre mostraram que a exportação continua muito bem obrigado, assim como o agronegócio. Aliás, quem está no agronegócio de exportação ou quem fornece para esse setor, vai muitíssimo bem. Quem depende só da demanda interna, começa a tirar o pé da lama. O IBGE mostrou ainda que o nível dos investimentos (ou a “formação bruta de capital fixo”) está em expansão, um dado essencial, pois significa mais produção à frente.As importações aumentaram, o que mostra maior demanda interna. Como aconteceu essa recuperação? Vários fatores a determinaram, a começar pelo mundo lá fora, que foi bastante amistoso até algumas semanas atrás. Havia abundância de capitais externos, o que reduziu os juros externos para o governo e para as empresas brasileiras e permitiu manter estável a cotação do dólar. Permitiu também ao Banco Central recomprar seus títulos indexados ao dólar, papéis que tornavam a dívida muito vulnerável a oscilações do mercado financeiro. O surto inflacionário, muito forte no início do ano passado, foi claramente debelado. Com isso, o BC pode reduzir os juros, que permanecem elevados, mas são os menores desde 2001. Tanto é assim que se aceleraram primeiro as vendas de automóveis e duráveis, que mais dependem do crediário. As contas públicas permanecem sob forte controle, o governo gera superávit primário elevado para pagar parte da conta de juros. E as contas externas continuam no positivo. Em resumo, o ambiente macroeconômico é claramente superior ao do ano passado. Pode-se discutir se a redução dos juros poderia ter sido mais intensa – e muitos acham que sim – mas é inequívoco que a situação melhorou. Dados referentes ao segundo trimestre em curso parecem confirmar isso. Os economistas observam com atenção os “indicadores antecedentes”, números que sugerem o que vem pela frente. Por exemplo: se crescem as vendas de papelão ondulado, é sinal de que outros setores estão precisando de embalagens para entregar produtos. Logo, estão vendendo. Se há mais caminhões pesados passando pelos pedágios, são entregas que estão sendo feitas. Se a produção de aço aumenta é porque alguém está montando automóveis ou geladeiras. E todos esses indicadores, em abril, mostraram expansão, às vezes até mais intensa. Por outro lado, também é verdade que o desemprego, medido pelo IBGE nas seis principais regiões metropolitanas, aumentou em todos os meses deste ano. Mas também aumentou o número de pessoas trabalhando nessas mesmas regiões. Há, ao mesmo tempo, mais emprego e mais desemprego. Isso quer dizer que a economia está gerando empregos nas áreas metropolitanas, mas não na quantidade necessária para atender todos que entram no mercado de trabalho. Ou seja, e todos concordam com isso, o ritmo de crescimento precisa ser mais intenso. Mas há outros números importantes neste quesito. A criação líquida de empregos formais, registrados no Ministério do Trabalho, referentes a todo o país, foi de 535 mil no período janeiro/abril. Não parece muito, mas nos doze meses do ano passado foram criadas 645 mil vagas com carteira assinada. Ou seja, é provável que neste ano se crie o dobro. E parece certo que a situação está melhor fora das grandes áreas metropolitanas. A renda das pessoas permanece deprimida, mas melhorou neste início de ano, pela redução da inflação. Finalmente, a confiança do consumidor, medida em índices e pesquisas, melhorou substancialmente em maio, o que pode significar mais compras. Por falar nisso, nos primeiros 20 dias de maio, as consultas ao Serviço de Proteção o Crédito (SPC Brasil) superaram o número de todo o mês de abril. Tem o dia das Mães, claro, mas a alta é expressiva. Eis aí o que dizem os números e alguma interpretação. E agora? Está claro que a política econômica de Palocci ganhou um novo fôlego, ao provar que pode gerar algum crescimento. Mas está claro também que o arranjo atual, com sorte e muitas coisas funcionando, conduz a um crescimento em torno de 4%, talvez um pouco mais com muita sorte. Para fazer mais que isso, depende de um conjunto de políticas com dois objetivos centrais: primeiro, facilitar o investimento e os negócios privados; segundo, conter e depois reduzir os gastos públicos e, pois, os impostos. Não se faz da noite para o dia, mas depende de um paciente trabalho caso a caso. Se o governo Lula conseguir superar sua personalidade dividida e tocar a agenda proposta pelo Ministério da Fazenda, muito diferente das antigas convicções petistas, há possibilidades de aceleração gradativa do crescimento. Se ficar na disputa ideológica paralisante, crescimento de 3% será lucro. Publicado na revista Exame, edição no. 819, data de capa 09/junho/2004

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