INFLAÇÃO BAIXA, VIDA CARA

. Artigos É frequente a reclamação do público: como se pode falar em inflação baixa se as coisas estão tão caras? É verdade que a inflação de julho veio muito alta, mas ao que tudo indica é um fenômeno temporário, de modo que já em agosto se dirá que a inflação está em baixa. E o público se manifestará perplexo, descrente e/ou enraivecidos com tais comentários. Ocorre que nem os índices de inflação são manipulados, nem as pessoas são idiotas. Ou seja, a inflação de fato está em baixa, a despeito do pico de julho. Mas o custo de vida continua elevado. É como a história de temperatura e sensação térmica. A inflação medida pelos índices é uma, a sensação na vida diária é outra, às vezes pior, às vezes, acredite, melhor. Tomemos o caso dos combustíveis. Subiram, primeiro, porque o governo aumentou os preços de derivados de petróleo. Depois, por causa do frio que quebrou a safra de cana. Com isso, subiu tanto o preço do álcool quanto da gasolina, que tem uma mistura de álcool. A sensação de aumento de preço é imediata. Ocorre na primeira visita ao posto. Mas digamos que o preço dos combustíveis venha a se estabilizar ou até caia um pouco. O índice de inflação, nesse item, vai zerar ou cair, mas a sensação continuará sendo de preço alto. Exemplo: digamos que o litro da gasolina suba de 1,50 para 1,65, um aumento de 10%; suponhamos agora que no mês seguinte o preço se estabilize em 1,65. O índice de inflação mede os preços médios de um mês contra os do mês anterior. Assim, a inflação da gasolina vai dar zero. O noticiário vai dizer isso – acabou a inflação da gasolina – mas o litro continua custando a mesma coisa, um real e 65 centavos. O consumidor não sente qualquer alívio. Quando se trata de um produto ou serviço dispensável ou substituível, há como aliviar o orçamento doméstico. Você pode trocar a ida ao cinema pelo filme na tevê. Mas a inflação dos últimos tempos tem sido de produtos e serviços essenciais. Trata-se de energia elétrica, telefone, combustível, incluindo gás de cozinha – tudo por causa do governo – e, mais recentemente, comida, por causa da entressafra e do excesso de frio e seca. O preço de alimentos vai voltar a cair, mas lá por setembro, quando vem a safra do segundo semestre. Já no caso dos serviços a coisa é mais complicada. Energia elétrica, por exemplo, essa tarifa não cai. Grandes consumidores poderão escolher entre fornecedores e, com essa competição, obterão preços melhores. Mas na residência não tem jeito – é monopólio, tarifa elevada, elevada fica. No caso de telefones, o ambiente é cada vez mais competitivo, mas ainda não há quedas efetivas de preços. Há promoções, é verdade, mas em cima de tarifas básicas que foram elevadas e assim permanecem. No caso dos combustíveis, há uma mistura de governo e mercado que dificilmente dá em queda de preço. Todos os derivados de petróleo são vendidos pela Petrobrás, a preço tabelado e calibrado conforme o custo do barril de óleo no mercado internacional. Quando sobe esse preço internacional, sabemos o que acontece aqui. Mas quando cai lá fora, também sabemos: não cai aqui. É que a Petrobrás é uma estatal, suas contas fazem parte do orçamento público, de modo que se há sobra no preço, isso vai para o caixa do governo federal de modo a fazer o ajuste fiscal. Ou seja, a sensação de tarifas altas é duradoura. Só vai desaparecer quando o salário e a renda das famílias aumentarem proporcionalmente mais que a inflação. E isso depende da recuperação da economia – que é outro foco de reclamação de leitores, ouvintes, telespectadores e visitantes do site. Há meses se vem dizendo que a economia está em recuperação e, mais recentemente, que voltou a crescer. Não tem erro aí. Todos os indicadores confirmam: a indústria aumenta a produção a cada mês, o comércio vende mais, as pessoas usam mais os serviços, há crédito novo na praça, os juros são menores, toda a economia elevou a oferta de empregos. Os salários e a renda, medidos tecnicamente, também estão melhorando, mas a sensação das pessoas não é essa. Exemplo: a pessoa ganhava mil reais em janeiro do ano passado e continuou recebendo a mesma coisa em janeiro de 2000. Sofreu, portanto, uma perda no poder de compra de 10% (a inflação do período). Aparece lá no índice: o salário real caiu 10% no período de 12 meses terminado em janeiro de 2000. Digamos agora que em junho último essa pessoa continuasse ganhando os mesmos 1.000 reais. A inflação de junho de 1999 até o mesmo mês deste ano foi de 6%. Assim, aparece lá no índice: o salário real caiu 6% no período de doze meses terminado em junho de 2000. Melhorou, portanto. A perda foi menor. Isso indica que as condições gerais da economia estão se equilibrando, mas a pessoa sente outra coisa: que continua ganhando os mesmos mil reais e que esse dinheiro compra menos coisas. Quer dizer que estatísticas e indicadores não servem para nada? Não. Servem para mostrar as condições macroeconômicas, as tendências e as linhas gerais do cenário. Quando se desce ao microcosmo, as sensações são diferentes. Indicadores e sensação só coincidem em momentos específicos. Mantido o processo de recuperação da economia brasileira – como parece provável – ao longo do segundo semestre as perdas salariais vão zerar. Em seguida, combinando-se inflação em baixa e crescimento econômico, os salários poderão começar a crescer mais que a inflação do momento. Os indicadores mostrarão crescimento expressivo e a sensação econômica da maioria das pessoas será de alívio. Mas nesse exato momento, o termômetro da análise econômica começará a apontar sinais negativos: uma alta de salários e a maior oferta de crédito podem aquecer demais a economia e gerar inflação . . . A ciranda estará girando ao contrário: as pessoas estarão animadas e reclamando que os analistas são muito pessimistas e estraga-festas. E assim vamos. (Publicado em O Estado de S.Paulo de 07/08/2000)

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