AVANÇAMOS, MAS . . .

.     Meio cheio      
Em 1999, o Brasil exportou US$ 48 bilhões, tendo uma dívida externa total de US$ 225 bilhões. Portanto, seriam necessários mais de quatro anos e meio para ?pagar? as compras externas. Em 2005, as exportações estão chegando a US$ 117 bilhões, para uma dívida externa em torno dos US$ 180 bilhões. Agora, basta um ano e meio de vendas externas para cobrir a dívida.  Melhorou muito em pouco tempo, não é mesmo?     
Trata-se de um indicador importante. Mede a solvência externa do país, sua vulnerabilidade ao mercado internacional. A lógica é a seguinte: imaginemos uma crise mundial aguda, com o fechamento dos mercados, de modo que o país não consiga tomar emprestado um centavo sequer para financiar seus pagamentos externos (juros e amortizações), precisando assim recorrer às suas próprias forças, as exportações. Um país com volumosas vendas externas se safa com mais facilidade.     
Assim, o Brasil de hoje é quatro vezes menos vulnerável que o de 1999. Basta? Não. O padrão internacional ? definido com base nas análises de situações reais ? indica que um país está confortável, com risco pequeno, quando precisa de menos de um ano de exportações para ?pagar? a dívida externa total. Ou seja, o Brasil precisaria estar exportando 180 bilhões de dólares.     
É realista esse padrão? Quer dizer, há países que conseguem esse nível? Muitos. No México, essa relação é de 0,9 ? ou algo como 11 meses de exportação para cobrir a dívida. África do Sul, 0,6; China, 0,4; Coréia, 0,6. Entre os países com os quais o Brasil é normalmente comparado (emergentes com grande potencial), apenas a Índia tem esse indicador pior (1,8), contra a relação brasileira de 1,5 deste ano.     
Eis aí um exemplo perfeito da situação atual do Brasil. Quando se compara com o Brasil do passado, a situação efetivamente melhorou em todos os quesitos fundamentais. Mas quando se compara em torno, verifica-se que há muito por fazer.     
O quadro desta página relaciona, na primeira coluna, os principais indicadores que um país deve cumprir para ser considerado ?grau de investimento? ? categoria que garante financiamento a juros bem menores ao país e suas empresas. A segunda coluna indica a situação brasileira hoje. A terceira, o passado.     
Um rápido comentário sobre cada item:     
Dívida líquida do setor púbico/Produto Interno Bruto (DLSP/PIB) ? trata-se de toda dívida pública, interna e externa, dos governos federal, estaduais e municipais, menos os ativos, como, por exemplo, as reservas internacionais. Mede a capacidade de pagamento do setor público. PIB é o valor do total de mercadorias e serviços produzidos no país no ano. É o indicador mais importante. Dívida crescente é sinal vermelho.     
Carga tributária/PIB ? o total dos impostos, taxas e contribuições recolhias pelos três níveis de governo, em proporção ao tamanho da economia. Países ricos e com amplo serviço público de qualidade, como os nórdicos, têm carga tributária perto de 50% do PIB, sem maiores riscos. No caso de países emergentes, é necessário deixar mais recursos à disposição da sociedade. Muitos países, gastando menos que o Brasil, oferecem serviço público de melhor qualidade.     
Dívida externa total/PIB ? dívida aqui inclui setores público e privado. Mede a capacidade de pagamento externo.     
Inflação ? todo  mundo sabe o que é. Apenas se deve registrar como está fraco o debate no Brasil. Comenta-se, por exemplo, que a meta de inflação para o ano que vem, 4,5%, é muito apertada. Mas, dos 25 principais países emergentes, apenas oito, incluindo o Brasil, têm inflação acima de 5%. A média é 3% ao ano.     
Juro real ? a taxa nominal de juros no mercado, menos a inflação.     
Crescimento do PIB – também todo mundo sabe o que é.     
A notar: o Brasil já esteve pior, bem pior, em dívida (pública e externa total), inflação e crescimento do PIB. A relação carga tributária/PIB vem piorando ao longo dos anos, o que reflete o crescente aumento do gasto público. Os impostos estão financiando a despesa pública que cresce bem acima da inflação e do PIB. A dívida aumentou e a única forma de administrá-la, no momento, está na elevação da carga tributária. Como esta já passou dos limites, e distorce a atividade econômica privada, a única saída aqui é a redução paulatina e constante da despesa pública ? tema da proposta apresentada em trabalho do deputado (e brilhante economista) Delfim Netto e do não menos competente economista Fábio Giambiagi.     
Outros olham para o quadro e dizem: ora, basta mandar o Banco Central reduzir os juros e tudo se arranja. Os juros reais no Brasil já tiveram momentos melhores (5% em 2002, por exemplo) mas sempre por um mau motivo, a inflação elevada. Tirante os picos de inflação, o juro real no Brasil, em todos estes anos de melhora dos fundamentos, raramente caiu abaixo dos 9% ao ano, um nível muito alto. Será que todas as diretorias do Banco Central nesses anos todos eram igualmente burras?  Será que todos os governantes, incluindo Lula, foram vendidos aos supostos interesses dos bancos? A grande questão brasileira do momento é justamente como criar condições para que os juros reais caiam num ambiente sem inflação e com crescimento, combinação nunca obtida de modo mais ou menos duradouro. Ao que parece, a resposta está na redução firme e contínua da relação DLSP/PIB. Começar a conversa dizendo ?basta reduzir os juros? é como o técnico de futebol que instrui assim seus atletas na porta do vestiário: vamos tentar fazer um gol e não tomar nenhum, que a gente ganha. Publicado em O Estado de S.Paulo, 05/dezembro/2005

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