GOVERNO LULA E AS BOBAGENS ECONÔMICAS

. Simples E errado      
O programa de governo divulgado nesta semana pelo presidente Lula não traz metas quantitativas. Em compensação, o documento oferecido dias antes pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) define objetivos e números bastante precisos ? e que estão errados.     
A idéia do CDES é a seguinte: mantida a política econômica, com metas de inflação e superávit primário (a economia que o governo faz para pagar juros), a taxa de juros fatalmente vai cair. O documento supõe que a taxa real de juros, hoje em torno de 10% ao ano, possa despencar para 3% em apenas cinco anos. Na verdade, seria preciso muita sorte, uma exuberante conjuntura internacional e muitas medidas internas, como as reformas microeconômicas que visem dar garantia jurídica aos créditos, para uma queda nessa velocidade. Mas há um consenso de que, preservado o quadro macroeconômico, a taxa de juros é declinante. Assim, até 2010, a cada ano a conta de juros paga pelo governo deve ser menor.     
Hoje, os juros nominais pagos pelo governo anualmente ? incluindo todo o setor público ? equivalem a cerca de 8% do Produto Interno Bruto, algo como R$ 160 bilhões, sempre arredondando os números. Ora, diz o CDE, caindo a taxa de juros, em 2007, o governo gastaria apenas 7% do PIB na despesa financeira, de modo que sobraria 1% – ou cerca de R$ 20 bilhões, em dinheiro de hoje. Logo, vamos gastar essa sobra. O documento do CDES calcula a sobra anual e conclui que, até 2010, o governo terá nada menos que R$ 181 bilhões para gastar em educação, saúde, bolsas, ciência e tecnologia e obras diversas.     
Como se vê, números bem definidos. E parece simples, não é mesmo? Simples e errado. Não sobra dinheiro porque o governo não paga de fato toda a conta de juros.     
Eis como a coisa se passa, conforme o balanço de 12 meses fechado em julho último: da conta anual de R$ 160 bilhões, o governo pagou efetivamente cerca de R$ 87 bilhões ? que foi o dinheiro do superávit primário, equivalente a 4,33% do PIB. E os outros R$ 73 bilhões? Foram rolados no mercado, refinanciados, ou seja, o governo lançou títulos e assim tomou empréstimo para cobrir aquela parte dos juros.     
Assim, se a conta de juros fosse menor, digamos, de R$ 140 bilhões ? e mantido o superávit primário, como o CDES diz que vai manter ? a matemática ficaria assim: o governo continuaria pagando de fato, cash, os R$ 87 bilhões do superávit primário, que é dinheiro do orçamento, obtido com a arrecadação de impostos, e ainda faltariam R$ 53 bilhões, a serem refinanciados.     
Logo, não sobrariam recursos orçamentários para gastar. Apenas o refinanciamento dos juros, ou déficit nominal do governo, seria menor. Só haveria alguma sobra de fato quando a conta de juros fosse inferior ao total do superávit primário.     
Para se ter uma idéia, isso estaria acontecendo hoje se a taxa básica de juros, essa definida pelo Banco Central, de 14,5% nominais e 10% reais, fosse de pelo menos a metade disso. Como isso só deve ocorrer, com sorte, dentro de uns cinco anos, até lá não tem dinheiro sobrando.     
Mas o documento do CDE vai além. Sustenta que é possível, ao mesmo tempo, aumentar os gastos públicos desde já, manter o superávit primário, reduzir a dívida pública como proporção do PIB e ainda por cima reduzir a carga tributária para 33% do PIB, quase cinco pontos abaixo do nível atual.      
Um milagre.     
Só mais uma continha para não aborrecer a leitora e o leitor. No cenário definido pelo CDES, teríamos, em 2010, arrecadação de tributos de 33% do PIB e gastos assim: 4,5% do PIB com o superávit primário; 13% com Previdência (na verdade mais, pois o salário mínimo vai aumentar 6% reais todos os anos, diz o documento); 6% com educação; 6% com saúde; 1,2% com ciência e tecnologia; mais uns 2% com obras de infraestrutura.     
Somou? Pois é, já deu os 33%. Não sobrou nada para todo o resto do governo.     
O ministro Tarso Genro, encarregado do CDES, disse que o documento resultou de colaborações de muita gente, incluindo ministros e empresários,  técnicos do governo e do setor privado, como os da FGV, e assim por diante.     
Deve haver nesse grupo quem acredite nesse mito ridículo, alimentado tanto tempo pela esquerda ? o de que basta reduzir o pagamento de juros que sobra dinheiro para gastar com o povo. (O outro é o de que não existe déficit na Previdência). Mas as principais lideranças empresariais, os ministros da Fazenda e do Planejamento, o presidente do Banco Central e tantos outros sabem que é uma bobagem monumental.     
Ou não viram o texto final, ou viram e pensaram : ?deixa pra lá, não vale nada mesmo?. Como o programa oficial não explica nada, ficamos sabendo que o governo quer gastar mais e está procurando mágicas para arranjar dinheiro. Conhecemos essa história. Publicado em O Globo, 31 de agosto de 2006       

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