ELEIÇÕES MALTRATAM AS CONTAS PÚBLICAS

. Martelando os números     
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que os diversos reajustes concedidos ao funcionalismo, custando R$ 5,5 bilhões, representam um aumento de apenas 5% sobre a folha de pagamentos do governo federal, de R$ 100 bilhões. E 5% não são nada, apenas a inflação, comentou.     
Mesmo?     
Aqueles 100 bilhões referem-se à folha orçada para este ano. No ano passado, o governo federal gastou R$ 92,2 bilhões com pessoal e encargos, de modo que o orçamento deste ano previa um reajuste geral de 8,5%, já acima da inflação. Os R$ 5,5 bilhões adicionais levam a folha deste ano para 105,5 bilhões, o que representará um aumento de 14% sobre 2005, bem acima da inflação projetada, em torno dos 4%. E é preciso ainda considerar que, no ano passado, os gastos com pessoal já haviam registrado um aumento de 10,2% sobre 2004, o dobro da inflação do período.     
Mas é possível que o gasto seja superior ao estimado pelo governo. No período janeiro/maio deste ano, o governo federal gastou R$ 40,7 bilhões com pessoal, um aumento de 13% sobre a mesma despesa em 2005. E isso antes da nova rodada de reajustes, assinada na última sexta-feira.     
Portanto, ao contrário do que dizem o ministro e seus colaboradores, não se trata de ?apenas? 5% de reajuste. Serão 15%, pelo menos, três vezes a inflação do período.     
É curiosa essa tentativa de, digamos, martelar os números. O próprio presidente Lula tem dito que os reajustes são justos e necessários, que o pessoal não pode ficar sem aumento. Qual o problema, então, de confessar os 15%?     
O governo pretende desfazer duas impressões negativas. Uma, que certas carreiras do funcionalismo, que já ganham muito bem, estão recebendo  reajustes. Duas, que o governo está gastando demais.     
Na última semana, diversos ministros e secretários, inclusive o guardião das contas, Carlos Kawal, secretário do Tesouro Nacional, insistiram neste último ponto: os gastos estão sob controle, a meta de superávit primário será atingida.     
 Mas os números mostram que todos os gastos estão em forte expansão. A despesa total do governo federal aumentou 15% no período de janeiro a maio deste ano em comparação com os mesmos meses de 2005. Além dos gastos com pessoal (+13%), subiram ainda mais intensamente as despesas com Previdência (+ 15%) e com Custeio e Capital (+17,8%). Neste último item incluem-se as chamadas ?despesas discricionárias?, aquelas que dependem da vontade política do governo.     
Só em maio, esses gastos aumentaram cerca de R$ 2 bilhões em relação a abril, todo o aumento concentrado em três ministérios, Saúde, Reforma Agrária e Desenvolvimento Social. O governo atende sua clientela.     
A justificativa do governo para isso está no ano eleitoral. Como, para evitar o uso da máquina, não se pode contratar despesas novas 180 dias antes das eleições, o que não se fez até a última sexta-feira, só em outubro. Assim, haveria uma concentração de gastos no primeiro semestre do ano.     
Faz sentido, mas não é bem assim. Há despesas que se contratam agora e que se repetem todos os meses, como é o caso de salários e benefícios previdenciários. Também programas e obras iniciadas agora terão um cronograma mensal de investimentos.     
De novo, o governo justifica esses gastos. O presidente Lula até lamentou que as leis eleitoral e de Responsabilidade Fiscal impedem mais investimentos em saneamento e mais empréstimos às prefeituras. A propósito, o presidente está sugerindo que a lei atrapalha o desenvolvimento econômico e social.     
E isso é martelar também o argumento. A lei não impede investimentos e gastos sociais. A lei proíbe que governos e prefeituras endividados além de certo limite ampliem suas dívidas, pela simples e boa razão de que não terão como pagá-las. Ou terão, mas com inflação e/ou aumento de impostos, em qualquer caso transferindo a conta para a população.     
É isso o espírito da lei: impedir que um governante irresponsável saia por aí gastando e iniciando projetos que representarão dívidas para o sucessor e encargos para a população ? coisa nada rara na história brasileira.     
Eis o caso, portanto: o governo quer gastar, precisa atender sua clientela (incluindo o funcionalismo) mas não pode dar a impressão de que está perdendo o controle e que a meta de superávit primário está ameaçada ? caso em que a punição dos mercados seria imediata. Muitos analistas acreditam que a meta deste ano será cumprida com algumas ?marteladas? e á custa de ganhos na arrecadação de impostos. E deixando um enorme problema para o próximo governo. O outro caso é a disparidade de salários no funcionalismo. Tratamos desse assunto em coluna publicada em 19 de junho (?Começando pelos mais ricos?, que pode ser encontrada no site www.sardenberg.com.br, item arquivo/política econômica). Mostrávamos que há enorme desigualdade dentro do funcionalismo e nos salários de certas categorias do funcionalismo em relação ao setor privado. Recebemos emails dos dois lados da história, mas foi maior o número de mensagens de funcionários ? em geral médicos e professores ? colocados na parte de baixo da pirâmide. Do pessoal de cima, alguns reconheceram que seus vencimentos são desproporcionalmente elevados, outros tentaram sustentar que um salário de R$ 7.500 para início de carreira (de auditor da Receita Federal, antes do reajuste) não é tão alto assim. Mas é. No setor privado, função parecida, com nível superior, não paga mais de R$ 10 mil para profissionais no ápice da carreira. Os últimos reajustes concedidos pelo governo federal atendem desigualmente uma categoria já desigual. Delegado da Polícia Federal, por exemplo, que já é o maior salário do Executivo federal, terá reajuste de quase 40%. Mas não é aumento, diz o governo, é reclassificação e o gasto nem aumenta muito. Em época de eleição, números e argumentos apanham muito. Publicado em O Estado de S.Paulo, 03 de julho de 2007

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