ECONOMIA CHINESA DE MERCADO

. À chinesa Depois da reformas, o regime vigente na China é: a)comunismo b)socialismo c)trabalhismo d)social democracia e)capitalismo Nenhuma das anteriores. O nome da coisa é “economia socialista de mercado”. É oficial, consta das resoluções do último congresso do Partido Comunista. O PC, aliás, deixou de representar apenas os trabalhadores da cidade e do campo. Agora o partido é também a vanguarda dos empresários. Não é novidade isso de qualificar a economia de mercado. Os alemães, há décadas, inventaram a economia social de mercado, expressão que ganhou adesões pelo mundo todo, inclusive no Brasil. Franco Montoro era um entusiasta do modelo, cujo propósito sempre foi o de combinar o capitalismo (direito de propriedade privada, mercado livre, liberdade de empreender) com uma rede de proteção social, bancada pelo Estado, para os trabalhadores e os mais pobres. Também se chamou na Europa de estado do bem estar social, trabalhismo e/ou social democracia. Carlos Menem, quando estava em meio ao seu primeiro mandato de presidente da Argentina, cheio de moral e popularidade, também inventou seu modelo. Perguntado sobre a contradição inerente a seu governo – formado por um partido peronista, eleito com plataforma populista de esquerda, e tocando uma política de privatizações e reformas liberais – Menem respondia: “sim, temos uma economia de mercado, mas uma economia popular de mercado”. Algumas vezes chegou a trocar o “popular” por “peronista”, mas este último era muito local e Menem, sabe-se, tinha ambições mais amplas. Também já se falou de economia solidária de mercado, cristã, progressista, mas as expressões não pegaram. Forte mesmo ficou a social de mercado. Assim, economia socialista de mercado é, de fato, uma novidade, legítima invenção chinesa, bem ao estilo de combinar contradições. A idéia de qualificar a economia de mercado decorre sempre de uma necessidade política, a de disfarçar uma opção. Varia conforme a opção a ser disfarçada. No caso dos alemães, e da Europa em geral, o ponto central do modelo era o social. O regime básico era o estado do bem estar, oposto ao capitalismo aberto e sem limites dos americanos, não raro chamado de “selvagem”. Nesse modelo, o direito de propriedade privada vinha depois do interesse social. Lá nasceu a idéia de “função social da propriedade”, a ser regulada pelo Estado, e que, bem vistas as coisas, é uma contradição com a economia de mercado. O fundamento desta última é que, tendo o direito à propriedade privada e o direito universal de empreender livremente no mercado, os homens, agindo em busca de seu interesse pessoal, acabam construindo a riqueza de uma nação – progresso, trabalho, renda. Assim, quanto mais mercado livre, mais desenvolvimento. Já para o modelo europeu, a atividade econômica individual precisa ser regulada e controlada pelo Estado, para que as pessoas não façam coisas contra o interesse social, coletivo, este definido politicamente. Ou seja o Estado do bem estar controla a economia de mercado, esta obviamente limitada. No caso dos chineses é o contrário. O propósito deles é avançar na economia de mercado e é isso que estão fazendo. Desmontam o regime do PC e introduzem, de maneira sistemática, o modo da economia capitalista. Mas como um partido comunista que chegou ao poder para destruir as relações de produção capitalistas, que impôs enormes sacrifícios à população e assassinou milhões de adversários para implantar o socialismo, pode passar para a construção do capitalismo? Não se pode simplesmente dizer: foi mal, desculpa aí. Daí a economia socialista de mercado – uma óbvia mistificação, que só pega porque lá é uma ditadura. Nem o modelo em si, nem sua denominação são debatidos. Nem há muito interesse, para falar a verdade. Todo o pessoal envolvido com a nova e dinâmica economia de mercado, a parte da China que cresce aceleradamente, não deseja criar caso com o governo do PC, totalmente voltado para a implantação do modo capitalista de produção. Chamam isso de economia socialista de mercado? Tudo bem, todo mundo sabe que a palavra chave é mercado. E os que ainda não pegaram a onda capitalista querem pegá-la e não defender o velho socialismo. Isso, é claro, até onde se pode saber num regime sem liberdade de imprensa. Mas o fato é que os protestos de que se tem notícia nascem na parte já capitalista e demandam essas coisas das economias de mercado, mais liberdade individual, menos Estado. E assim segue o mundo, entre essas opções, mais mercado, mais Estado. E aqui entre nós, como seria a nossa economia de mercado? Tema de próximo artigo. Publicado em O Estado de S.Paulo, 16/02/2004

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